quarta-feira, 5 de outubro de 2011

Skinheads para além da política e da a-política

Como todo skinhead gostaria de liberar o tostesterona

Vejo que o crescente moralismo endossado pelos novos cristãos e grupos políticos/religiosos (felizes e eufóricos pelo acesso vulgar ao consumo, “graças a deus!”) tenha gerado ou pelo tem sido um dos culpados pela nova onda de violência contra as minorias...Enfim este texto editado originalmente no meu site Junkeria Nefasta serve como uma forma de refletir esta maneira tão bruta e idiota de bandidos (e policiais civis em parte) que usam a porrada como forma de ofuscar seus próprios desejos reprimidos. A pedido do autor (um amigo anarco punk que há não vejo) sua identidade será preservada e quem achar ruim que venha tirar satisfações comigo.

--------------
A pergunta que se faz é quais são os tão bons motivos para se carregar o rótulo e a tradição de uma cultura que durante 30 anos se desenvolveu as custas de atrocidades desumanas? Será que a música e a roupa são valiosos o suficiente para se apegar à esta tradição?

É muito claro que skinhead não é simplesmente uma afirmação de moda, e sim uma cultura, e exatamente por ser uma cultura tem valores que se identificam e outros que repudiam, e em conseqüência criam uma certa visão de mundo própria. O que essa cultura, com seus valores, tradições e costumes, fez desde de sua origem até agora? Essa questão vai além de uma visão partidaria de esquerda e direita, anarquismo e fascismo. A resposta pra isso tem que ser pensada acima de tudo com o nosso caráter humano. Na década de 60 quando a cultura skin começou, esteve intimamente ligada á uma prática que os skinheads negros e brancos apelidaram de "paki-bashing", que consistia em perseguir, humilhar, espancar e, eventualmente, assassinar sul-asiáticos (paquistaneses, indianos, bangladeshianos, e outros). A justificativa que davam para isso não era o nazismo, obviamente, aliás o bode expiatório que hoje se usa para eximir a culpa do atos de brutalidade estava sendo fundado naquele momento e não tinha nenhuma visibilidade ou força política: a National Front. Quando perguntado sobre o porque do ódio, os skinheads diziam que os asiáticos eram passatempo deles, e que agrediam-os simplesmente porque a cultura deles não tinha como costume revidar. Alguns chegavam até a criar teorias pra justificar, e usavam o patriotismo como desculpa para essas atrocidades. "Eles não falam nossa língua, não reproduzem nossa cultura. Eles roubam nossos empregos". O saldo disso foi centenas de agressões e algumas mortes em menos de 1 ano. O que não podemos esquecer nisso é que independente da visão pessoal política de cada um, uma coisa é certa: ser patriota não tem como pré-requisito ser covarde, assassino e irracional.

Os skins desapareceram no meio dos anos 70 e voltaram no fim dela com a explosão da segunda geração punk e o revivalismo da década de 60 (mod revival e 2-tone) gerado pelo filme Quadrophenia e a new wave. As novas gangues de skinheads trouxeram junto a Liga Anti-Paquistanês, vários grupos de skinheads tradicionais apolítocs que se autoafirmavam contrários às idéias do nazismo mas dedicavam seu tempo a perseguição e linchamento racista de asiáticos por mero entretenimento. A National Front que começou pouco antes com seu discurso nazista enrustido encontrou nos skinheads um terreno fértil, e do ódio aos imigrantes asiáticos para todos os outros imigrantes foi somente um passo. Agora todo tipo de imigrante se preocupava ao ver skinheads na rua, e esses discursos pseudo-políticos tinham cada vez menos sentido e nada se diferenciavam das tradicionais perseguições dos apolíticos. Agressões tomavam níveis absurdos e uma sensação de terror entre minorias era gritante. Muitos membros da National Front não se afirmavam nazistas, enquanto outros se afirmavam nazistas sob o mesmo partido. Skinheads da extrema direita espancavam pessoas que não concordassem com eles, sob a acusação de comunistas, anarquistas ou esquerdistas. Skinheads da extrema esquerda atacavam pessoas de valores conservadores e "não-esquerdistas", sob a acusação de neo-nazistas. Apolíticos continuavam no seu passatempo tradicional de atacar minorias frágeis por puro entretenimento. Movimentos tentaram unir todos os lados, e acabaram servindo exclusivamente como abrigo de nazistas e fonte de infinitas guerras entre gangues nos shows. A política servia como mero respaldo para a covardia e brutalidade irracional, e os apolíticos não se preocupavam em justificar suas também covardes e assassinas atitudes. As velhas práticas da raíz da década de 60 foram tingidas com o discurso político, mas continuavam sendo a mesma coisa no fim das contas.

No Brasil a mesma confusão ideológica surgiu entre os Carecas, que acabou por separá-los em Carecas e White Powers no fim da década de 80. As práticas de violência gratuita continuavam usando a política como mero pretexto. Centenas de pessoas foram brualmente atacadas e até mesmo assassinadas durante a "evolução" política do movimento Careca dos anos 80 até o começo dos 90. Agora, com as coisas já bem definidas, homossexuais, punks e esquerdistas continuam sendo linchados por Carecas, e negros, judeus e nordestinos continuam sendo linchados por White Powers. E carecas e white powers lincham-se uns aos outros. O pretexto vai se modificando, ramificando, mas as práticas continuam as mesmas. Se os mais velhos perdem cada vez mais o interesse nas brigas, as gerações novas continuam a reproduzir a violência estúpida pseudo-política. A indiferença para o absurdo, no entanto, continua dos dois lados: geração velha e geração nova.

E voltamos a pergunta: para que carregar o rótulo de uma cultura cujos os valores ao longo da história só se mostram a serviço da covardia e da desumanidade? Por que mais uma vez querer associar visões de mundo políticas com coisas que sempre as usaram como pretexto irracional, e não fundamento racional? Para que voltar para uma raíz "espírito de 69" apolítica que também só esteve a serviço do comportamento mais desprezível que um ser humano pode ter, a violência gratuita? O que há de tão especial na música e na moda que faz com que possamos relevar esse passado hediondo e assumirmos essa cultura suja? Acreditar que o discurso político por trás destas coisas são boas justificativas é uma ilusão, sejam os discursos da direita, sejam da esquerda. E não se trata também de sermos pacifistas ou demonizarmos a violência, porque a violência gratuita está para além de qualquer tolerância até do mais bélico e político. Afinal, a violência gratuita e irracional só se presta a pessoas que negam sua natureza, enquanto a verdadeira consciência política e filosófica só está reservada àqueles que assumem sua humanidade.

Nenhum comentário:

Postar um comentário