segunda-feira, 29 de agosto de 2011

Novo mundo maravilhoso (por Chân Mât Dãng)

Há algum tempo, minha percepção é a de que a indústria alimentícia nada mais é do que a antesala da indústria farmacêutica. Numa ponta nos envenenam, para na outra nos fornecerem o veneno que seria antídoto. Mas eu ainda pensava em termos de "alimentos" até que um dia observei esses "alimentos" sendo descarregados num supermercado -- fosse pão ou leite, as caixas eram atiradas umas sobre as outras e grosseiramente empilhadas e depois carregadas aos trancos... O mesmo tratamento que receberam os fardos de papel higiênico e as caixas de sabão em pó... Então percebi que não havia alimentos sendo descarregados ali -- eram só mercadorias! O marketing das campanhas e as embalagens até nos fazem crer que aquilo é alimento -- mas não é. A maioria é no máximo comida para encher a barriga -- e só mais uma mercadoria. Visa lucro, não visa saúde nem bem estar. E pela primeira vez me vi achando conservantes e espessantes e outros "antes" realmente necessários, e muito coerentes com esse tipo de comida -- senão, depois de tanto processar, misturar e modificar nas indústrias, e depois transportar, sacudir, empilhar, e mais sacudir até chegar em casa e de novo empilhar... Na hora em que se abre a embalagem, não fossem todos os "antes", o que é que iríamos encontrar?

Há, no entanto, um novo mundo maravilhoso. Um novo paradgima de alimentação, que vai mesmo além dos restaurantes naturais, da alimentação vegetariana ou até mesmo da vegana... É o que o chef Flavio Passos, que estudou no
Living Light Culinary Arts Institute, chama de Alimentação Viva, e com quem fiz recentemente um curso. Os alimentos são usados em sua forma natural, sem jamais passarem por qualquer fonte de calor, preservando assim seus nutrientes, cores, perfumes, sabores – com enormes benefícios ao conjunto de nossa saúde (física, emocional, mental). Citando o próprio chef:

Ao longo de vários anos de experimentação e vivência com diferentes ciências de nutrição foi possível perceber que o “tipo de combustível” que fornecemos para nossos corpos influencia não somente seu funcionamento biológico, mas também a qualidade das emoções e dos pensamentos que habitam em nosso interior. [...] Um exemplo: das verduras se obtém farto suprimento de magnésio, mineral responsável pelo bom funcionamento do coração, o relaxamento das artérias e de todo o organismo. Quando se ingere uma quantidade satisfatória deste mineral é possível observar uma tendência à tranqüilidade, à ausência de stress, à boa circulação sanguínea, a flexibilidade aumenta em nível físico e em nível mental. (*)

Através de seus cursos, o chef Flavio Passos passa esse novo paradigma de alimentação e estilo de vida – e é demonstrando grande conhecimento e propriedade que ele o faz, e com amorosidade e genuína alegria. O resultado são pratos nutritivos, deliciosos e absolutamente lindos (como o da foto abaixo ©Terra Dourada) e muito simples de se fazer em casa – com o benefício de não haver panelas para lavar depois! É também um incentivo a trazer criatividade e felicidade para a alimentação – atualmente, eu preparo meus alimentos sorrindo, assim como medito.

(*) Nota do blog: textos Você é o que come e Sucos Verdes: uma Revolução!, citados a partir do site Terra Dourada.

texto extraído DAQUI

domingo, 21 de agosto de 2011

vagabonds


"Escrevo-lhe um pouco ao acaso o que me vem à pena, ficaria muito contente se de alguma maneira você pudesse ver em mim mais que um vagabundo.
Acaso haverá vagabundos e vagabundos que sejam diferentes? Há quem seja vagabundo por preguiça e fraqueza de caráter, pela indignidade de sua própria natureza: você pode, se achar justo, me tomar por um destes.
Além deste, há um outro vagabundo, o vagabundo que é bom apesar de si, que intimamente é atormentado por um grande desejo de ação, que nada faz porque está impossibilitado de fazê-lo, porque está como que preso por alguma coisa, porque não tem o que lhe é necessário para ser produtivo, porque a fatalidade das circunstâncias o reduz a este ponto, um vagabundo assim nem sempre sabe por si próprio o que poderia fazer, mas por instinto, sente: “No entanto, eu sirvo para algo, sinto em mim uma razão de ser, sei que poderia ser um homem completamente diferente. No que é que eu poderia ser útil, para o que poderia eu servir; existe algo dentro de mim, o que será então?”.
Este é um vagabundo completamente diferente; você pode, se achar justo, tomar-me por um destes.
Um pássaro na gaiola durante a primavera sabe muito bem que existe algo em que ele pode ser bom, sente muito bem que há algo a fazer, mas não pode fazê-lo. O que será? Ele não se lembra muito bem. Tem então vagas lembranças e diz para si mesmo: “Os outros fazem seus ninhos, têm seus filhotes e criam a ninhada”, e então bate com a cabeça nas grades da gaiola. E a gaiola continua ali, e o pássaro fica louco de dor.
“Vejam que vagabundo”, diz um outro pássaro que passa, “esse aí é um tipo de aposentado”. No entanto, o prisioneiro vive, e não morre, nada exteriormente revela o que se passa em seu íntimo, ele está bem, está mais ou menos feliz sob os raios de sol. Mas vem a época da migração. Acesso de melancolia – “mas” dizem as crianças que o criam na gaiola, “afinal ele tem tudo o que precisa”. E ele olha lá fora o céu cheio, carregado de tempestade, e sente em si a revolta contra a fatalidade. “Estou preso, estou preso e não me falta nada, imbecis! Tenho tudo que preciso. Ah! Por bondade, liberdade! ser um pássaro como os outros.”
Aquele homem vagabundo assemelha-se a este pássaro vagabundo…
E os homens ficam freqüentemente impossibilitados de fazer algo, prisioneiros de não sei que prisão horrível, horrível, muito horrível.
Há também, eu sei, a libertação, a libertação tardia. Uma reputação arruinada com ou sem razão, a penúria, a fatalidade das circunstâncias, o infortúnio, fazem prisioneiros.
Nem sempre sabemos dizer o que é que nos encerra, o que é que nos cerca, o que é que parece nos enterrar, mas no entanto sentimos não sei que barras, que grades, que muros.
Será tudo isto imaginação, fantasia? Não creio; e então nos perguntamos: meu Deus, será por muito tempo, será para sempre, será para a eternidade?
Você sabe o que faz desaparecer a prisão. É toda afeição profunda, séria. Ser amigos, ser irmãos, amar isto abre a porta da prisão por poder soberano, como um encanto muito poderoso. Mas aquele que não tem isto permanece na morte.
Mas onde renasce a simpatia, renasce a vida."

CARTAS A THÉO, Van Gogh – Tradução de Pierre Ruprecht – L&PM