quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

Cercada de mistérios, a onda dark vai às pistas

Bandas ainda desconhecidas de nomes impronunciávieis surgiram pela internet


Witch house assume influência da magia negra; som que toma festas fora do Brasil não deve virar moda aqui

CAROL NOGUEIRA
DE SÃO PAULO


Não é de hoje que música passa, de tempo em tempos, por vertentes sombrias. Basta lembrar do pós-punk, nos anos 1970, ou do rock gótico e da eletrônica que se fazia na década de 1980.
No ano passado, os góticos do The Horrors chamaram atenção da crítica e levaram até uma indicação ao Mercury Prize, a mais importante premiação da música britânica. O dark fofo da banda xx ganhou este ano o prêmio.
Em 2010, outra banda sombria conquistou crítica e público – o Salem (ou S4lem, como é estilizado). O trio, formado pelos cabeludos John Holland e Jack Donoghue e a loira sexy Heather Malatt, veio da pequena Traverse City, no Michigan, nos EUA.
Hoje, o grupo é um dos mais comentados nos blogs de música, ganhou repercussão no “New York Times” e virou trilha do desfile gótico de Guvenchy na última Semana de Moda de Paris.
O burburinho só aumentou após o lançamento do primeiro álbum, em outubro, intitulado “King Night”. Antes, veio o EP “Yes, I Smoke Cracl” (sim, eu fumo crack).
O Salem, que assinou em agosto com a Sony, também ficou conhecido por fazer (poucos) show para lá de confusos e dar raras entrevistas. Seus membros não falaram à Folha; o empresário afirma ter tentado convencê-los.
Em tempos de vampiros, zumbis e filmes “found footage” (leia texto abaixo) invadindo o cinema, a televisão e as livrarias, não espanta que surja também um gênero musical relacionado,
Chamado drag (arrastar), with house (house de bruxa) ou spookycore (rock assustador), o “novo gênero” tem bandas ainda desconhecidas, de nomes impronunciáveis e, não raro, símbolos que tornam impossível achá-los no Google, como sequências de cruzes e triângulos.
O burburinho começou na Internet, foi levado às rádios americanas e algumas festas já tocam esse som lá fora.
No Brasil, DJs ouvidos pela Folha acham pouco provável que a onda chegue aqui, a não ser que seja “muito misturado”. No máximo, podem fazer como o duo carioca Twelves, que remixou a sombria “Seven”, da artista Fever Ray, no ano passado.
O que chama atenção na cena é que mesmo entre os grupos que são considerados expoentes, há controvérsia sobre o que é o gênero e se ele é mesmo novo.
A explicação é que o witch house tem influências que remetem ao hip-hop e ao rock gótico, com batidas eletrônicas, baixo lá em cima e vocais muito recortados.
Também é comum influencia de ocultismo, bruxaria, ou magia negra. E, como todo bom dark, os músicos chamam atenção com maquiagem e roupas pretas.
A Folha conversou com quatro bandas para entender o que é, afinal, o with house. Os músicos não quiseram falar por telefone e pediram que seus nomes não fosse citados, apenas os de suas bandas. Assustador?

OPNIÃO

Morbidez da meninada de hoje é de assustar os velhos vampiros

ANDRÉ BARCINSKI
CRÍTICO DA FOLHA

Uma das grandes revoluções da Internet no panorama musical foi acabar com o conceito de ‘cena local”.
Antigamente, “cena” abrangia uma grupo de bandas ou artistas conectados geograficamente e que faziam música similar.
Várias partes do mundo tiveram as suas: Nova York e Londres geraram o punk, no meio dos anos 1970; Seatle teve o grunge e Manchester, a acid house. A Escandinávia gerou uma cena fortíssima de bandas de hevay metal extremo; Detroit teve o techno...
Com a interne, não importa mais de onde os artistas são, contanto que possam se encontrar virtualmente.
A cena de witch house – ou drag, ou haunted house, como preferem alguns, é assim; diversos artistas espalhados pelo mundo. Pouco se sabe sobre eles. O mistério é a alma do negócio.
“Sinto que muito do desenvolvimento musical acontece on-line. As cenas locais não são importantes”, disse ao site Pitchfork Christopher Dexter Greenpan, que grava como oOoOO (a pronúncia é “Oooo”).
Musicalmente, o witch house é simples: pop eletrônico lento, quase “ambient”, mas com um clima lúgubre que lembra os sons góticos de Sisters of Mercy e Cure.
Imagine o Portshead ou Massive Attack fazendo trilha de um filme de terror como “Atividade Paranormal”, substituindo a beleza etérea de sua canções por uivos e efeitos sonoros assustadores.
Outra influencia é o dubstep de Burial, o misterioso produtor inglês. Sua mistura de batidas eletrônicas minimalistas com melodias sombrias parece ter tocado fundo nos corações negros dos expoentes do witch house.
O que nos leva a outro fator importante para a cena musical: a obsessão em levar suas influencias ao extremo.
Desde que o rock surgiu, jovens sempre buscaram emular seus ídolos, adaptando a música ao próprio tempo. A tendência disso é uma radicalização sonora e estética.
O conceito de som “pesado” ou “extremo’ se estreita a cada dia, Uma banda como Black Sabbath, que praticamente inventou o heavy metal e era considerada uma aberração nos anos 1970, hoje pode tranquilamente ser ouvida em qualquer rádio comercial.
Os artistas de with house parecem muito influenciados pelo som gótico, uma vertente nascida nos anos 1970, marcada por sons triste e românticos,
E os vampiros de outrora, gente como o Bauhaus ou Siousxie, certamente se assustaria com a morbidez de hoje.