terça-feira, 25 de outubro de 2011

As pretensões e equívocos nos desertos da Líbia


Li este trecho da introdução do livro “O Homem Revoltado” de Albert Camus, e é incrível como este tratado lançado em 1951 continua pertinente nos dias atuais onde a violência e sede de vingança é festejada cega e midiaticamente de forma enjoativa. Não estou deslegitimando mais um acontecimento da chamada “Primavera Árabe”, mas questionando através desta citação até que ponto aquele povo está preparado para uma nova era que me parece um tanto turva. Mesmo que a insurreição seja uma resposta aos anos tirania, será que os libios acabaram caindo em outra cilada de interesses maiores? Ainda não dá pra se fazer um balanço deste evento, porém a recente história nos lembra que as guerras que surgiram por anseios democráticos (seja no Oriente Médio ou na África), obtiveram resultados positivos no início (como divulgados pela mídia) e em suas etapas seguintes ganharam ares caóticos, mais violentos e muitas vezes bem obscuros. Com uma mãozinha (ou mãozona) da intervenção franco-anglo-americana, se sabe que a partir da queda e assassinato de Kadafi, o povo da Líbia tornou-se mais um devedor das potências que nunca se interessaram de fato pela sua tão sonhada liberdade...

O
absurdo, visto como regra da vida, é portando contraditório. Que há de espantoso em que não nos forneça os valores que decidiram por nós quanto à legitimidade do assassinato? Aliás, não é possível fundamentar uma atitude em uma emoção privilegiada. O sentimento do absurdo é um sentimento entre outros. O fato de ter emprestado suas cores a tantos pensamentos e ações no período entre as duas guerras prova apenas a sua força e a sua legitimidade. Mas a intensidade de um sentimento não implica que ele seja universal. O erro de toda uma época foi o de enunciar, ou de supor enunciadas, regras gerais de ação, a partir de uma emoção desesperada cujo movimento próprio, na qualidade de emoção, era o de se superar. Os grandes sofrimentos, assim como as grandes alegrias, podem estar no início de um raciocínio. São intercessores. Mas não se saberia como encontrá-los e mantê-los ao longo desses raciocínios. Se, portanto, era legitimo levar em conta a sensibilidade, e no niilismo que ela supõe, mais do que um ponto de partida, uma crítica vivida, o equivalente, no plano da existência, à dúvida sistemática. Em seguida, é preciso quebrar os jogos fixos do espelho e entrar no movimento pelo qual o absurdo supera a si próprio.
Quebrado o espelho, não resta nada que nos possa servir para responder às questões do século. O absurdo, assim como a dúvida metódica, faz tabula rasa. Ele nos deixa sem saída. Mas, como a dúvida, ao desdizer-se, ele pode orientar uma nova busca, Com o raciocínio acontece o mesmo. Proclamo que não creio em nada e que tudo é absurdo, mas não posso duvidar de minha própria proclamação e tenho de, no mínimo, acreditar em meu protesto. A primeira e única evidência que assim me é dada, no âmbito da experiência absurda, é a revolta. Privado de qualquer conhecimento, impelido a matar ou a consentir que se mate, só disponho dessa evidência, que é reforçada pelo dilaceramento em que me encontro. A revolta nasce do espetáculo da desrazão diante de uma condição injusta e incompreensível. Mas seu ímpeto cego reivindica a ordem no meio do caos e a unidade no próprio seio daquilo que foge e desaparece. A revolta clama, ela exige, ela quer que o escândalo termine e que se fixe finalmente àquilo que até então se escrevia sem trégua sobre o mar. Sua preocupação é transformar. Mas transformar é agir, e agir, amanhã, será matar, enquanto ela ainda não se matar é legitimo. Ela engendra justamente as ações cuja legitimação lhe pedimos. É preciso, portanto, que a revolta tire as suas razões de si mesma, já que não consegue tirá-las de mais nada. É preciso que ela consinta em examinar-se para aprender a conduzir-se.

(trecho da introdução do livro "O Homem Revoltado” de Camus)

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