segunda-feira, 10 de outubro de 2011

Christian Death - Atrocities (1986)


Parece contraditório partir de um admirador de Rozz Williams postar mais matérias do seu arque rival Valor Kand. Bem, já se se foi para mim à época em que eu levantava a bandeira como um adolescente deslumbrado. Tenho escutado novamente os trabalhos de Valor e, embora eu descorde de todos os seus equívocos e me ver prostrado pelas vergonhas alheias que suas cafonices causam, provou que o “Christian Death” pode ser uma experiência que está além da música, conceito que davam bases ao que ele passou a denominar de Christian Death Society. Claro que é impossível, por uma questão de lógica, aceitar a sua banda como sendo uma continuação autêntica (embora haja sem dúvidas conexões) do que pretendia o grupo original, porém essas controvérsias permitiram que os fãs tivessem a possibilidade de comparar as idéias, fazer diversas interpretações tão diferentes dentro do mesmo nome.

Este é um review que escrevi em meu antigo site para o álbum Atrocities com três letras traduzidas. Como a alguns dias postei um bootleg que antecedia seu lançamento, fica este registro para não perder fio da meada.

Após o lançamento de dois EP’s ("The Wind Kissed Pictures" e "Believers of the Unpure"), o oportunista Valor, oferece-nos aqui o melhor trabalho, em minha opinião, do seu Christian Death. Este álbum, onde estréia também como vocalista (na verdade à volta a posição de cantor, como nos tempos de Pompeii 99), é também um ponto final a uma saga iniciada com Catastrophe Ballet (1984), antes da banda arriscar-se em caminhos heavy-metálicos. Gravado no lendário Rockfield Studius em Gales (onde também foi gerado seu antecessor, Ashes), Atrocities retrata de forma envolvente e dramática a dura e cruel realidade da Segunda Guerra Mundial, cujo impacto era sentido intensamente nos anos de 1980, em pleno auge da Guerra Fria. Seria proposital que sua prensagem original fosse na Alemanha pela Normal Records? Para dar um ar mais místico a sua concepção em estúdio, Valor fez questão de relatar no encarte, todo escrito à mão, que “Nós respeitamos a presença do espírito da Mulher e da Criança do Acre Hill House, durante o tempo todo em que estivemos lá”.



Um espantoso acorde de violino anuncia sua abertura com a corpulenta "Will-o-the-Wisp" onde a bateria de David Glass faz maravilhas com batidas fortes e bem marcadas. Desde a debandada de Rozz Williams, esse line-up se manteve na Europa. A nova morada influenciou diretamente no seu som, cuja estrutura não apresentava mais resquícios de sua procedência americana (o deathrock cru introduzido por Rozz no Pompeii 99 ficaram para trás) – aqui, a versão genérica do Christian Death, já ecoava como as bandas góticas do velho continente, orientadas por numa tendência mais melódica e densa.

Depois da primeira faixa, somos surpreendidos com a tranqüilidade de “Tales of Innocence”. O tema, originalmente se chamava “The Gift of Sacrifice” e cantado nos shows até então por Valor, ganhou em sua versão definitiva na bela voz de Gitane Demone que deu um ar mais dramático a letra que aborda o horror das torturas sexuais em que as prisioneiras eram submetidas nos campos de concentração. Os títulos sucedem-se às vezes agressivos, como "Stapping me Down", às vezes de uma calma venenosa e corrosiva, em "The Danzig Waltz". Seguem "Chimerè De Si De La” e "Silent Thunder" que apresentam um trabalho excepcional de guitarra de Valor e Barry Galvin (Mephisto Walz). Ao emergimos deste mar escuro e oscilante, ganhamos fôlego com a semi-acústica "Strange Fortune", porém logo em seguida os ouvidos são golpeados pela a ferocidade de "Ventriloquist" que ao vivo ganhava uma versão mais violenta que podia atingir quinze minutos de duração. E esta exibição de atrocidades avança com a arrepiante versão "Gloomy Sunday" cantada por Gitane.



O ato atmosférico de "The Death of Josef" (um réquiem ao médico Josef Mengele, conhecido como o Anjo da Morte em Auschwitz), fecha este álbum que tem a morte nas trincheiras como constante em seu imaginário. Aqui não há uma linha que separa a realidade do quimérico, pois a dor e o desespero tornam as duas condições homogêneas, como exibido nos rostos grotescos da pintura expressionista "Die Sieben Todsünden" ("os sete pecados capitais) de Otto Dix (1891—1969) que compõe a contra capa da primeira edição desse trabalho de estranha delicadeza.


Algumas letras traduzidas:



“Contos da Inocência”
Nós éramos enormes lanternas de caça
Iluminando o caminho para o banquete do faminto
Nossa rígida pele jovem pronta para ser suja

Corpos como brinquedos negociados por favores
A oferta do sacrifício

Enxugando meu corpo que não pode ser limpo novamente
A culpa sangra do gosto do pecado
Minhas vergonhas são memórias da paixão
O desejo do prazer profundo

Corpos como brinquedos negociados por favores
A oferta do sacrifício

Sem flores para poupar o que ela deu de si para eles
E quando ela voltou, ela estava, ela estava...
Ainda, ainda...

Corpos como brinquedos negociados por favores
A oferta do sacrifício

“Trovão Silencioso”
Minha cama é o jardim onde todas as vozes se encontram
Mãos deslizam através da água embaixo de meu travesseiro
Pedras como chuva banham as horas
As mãos no meu pulso, sexo, flores murchas

O trovão silencioso ergue-me para dormir
Caindo num abismo tão profundo

E se meus olhos tímidos da manhã
Meus lábios provarão de fruta verde
Palavras sem significados evocam o passado
O futuro foi o dia antes do último.

“Estranha sorte”
Eles preservavam belos quadros
Derramando o vinho, que brinde cruel...
Boatos dispersos são contados nos cafés
Respeito aos olhos do inimigo

Uma calorosa e oculta vingança de amantes
A dança das flores em um perfume roubado
Uma taça de champanhe, uma lasca de pão.
Respeito aos olhos do inimigo

Estranha sorte...

Suas canções iludiram a lealdade
Enganando os perversos quanto à fuga
Boatos dispersos contados em cafés
Respeito aos olhos do inimigo

Um comentário:

  1. otima materia, eu sempre quiz saber a origem desta pintura: "Die Sieben Todsünden" ("os sete pecados capitais) de Otto Dix.

    obrigado

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