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A jornada é tão importante quanto o destino.
Vejo que o crescente moralismo endossado pelos novos cristãos e grupos políticos/religiosos (felizes e eufóricos pelo acesso vulgar ao consumo, “graças a deus!”) tenha gerado ou pelo tem sido um dos culpados pela nova onda de violência contra as minorias...Enfim este texto editado originalmente no meu site Junkeria Nefasta serve como uma forma de refletir esta maneira tão bruta e idiota de bandidos (e policiais civis em parte) que usam a porrada como forma de ofuscar seus próprios desejos reprimidos. A pedido do autor (um amigo anarco punk que há não vejo) sua identidade será preservada e quem achar ruim que venha tirar satisfações comigo.
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A pergunta que se faz é quais são os tão bons motivos para se carregar o rótulo e a tradição de uma cultura que durante 30 anos se desenvolveu as custas de atrocidades desumanas? Será que a música e a roupa são valiosos o suficiente para se apegar à esta tradição?
É muito claro que skinhead não é simplesmente uma afirmação de moda, e sim uma cultura, e exatamente por ser uma cultura tem valores que se identificam e outros que repudiam, e em conseqüência criam uma certa visão de mundo própria. O que essa cultura, com seus valores, tradições e costumes, fez desde de sua origem até agora? Essa questão vai além de uma visão partidaria de esquerda e direita, anarquismo e fascismo. A resposta pra isso tem que ser pensada acima de tudo com o nosso caráter humano. Na década de 60 quando a cultura skin começou, esteve intimamente ligada á uma prática que os skinheads negros e brancos apelidaram de "paki-bashing", que consistia em perseguir, humilhar, espancar e, eventualmente, assassinar sul-asiáticos (paquistaneses, indianos, bangladeshianos, e outros). A justificativa que davam para isso não era o nazismo, obviamente, aliás o bode expiatório que hoje se usa para eximir a culpa do atos de brutalidade estava sendo fundado naquele momento e não tinha nenhuma visibilidade ou força política: a National Front. Quando perguntado sobre o porque do ódio, os skinheads diziam que os asiáticos eram passatempo deles, e que agrediam-os simplesmente porque a cultura deles não tinha como costume revidar. Alguns chegavam até a criar teorias pra justificar, e usavam o patriotismo como desculpa para essas atrocidades. "Eles não falam nossa língua, não reproduzem nossa cultura. Eles roubam nossos empregos". O saldo disso foi centenas de agressões e algumas mortes em menos de 1 ano. O que não podemos esquecer nisso é que independente da visão pessoal política de cada um, uma coisa é certa: ser patriota não tem como pré-requisito ser covarde, assassino e irracional.
Os skins desapareceram no meio dos anos 70 e voltaram no fim dela com a explosão da segunda geração punk e o revivalismo da década de 60 (mod revival e 2-tone) gerado pelo filme Quadrophenia e a new wave. As novas gangues de skinheads trouxeram junto a Liga Anti-Paquistanês, vários grupos de skinheads tradicionais apolítocs que se autoafirmavam contrários às idéias do nazismo mas dedicavam seu tempo a perseguição e linchamento racista de asiáticos por mero entretenimento. A National Front que começou pouco antes com seu discurso nazista enrustido encontrou nos skinheads um terreno fértil, e do ódio aos imigrantes asiáticos para todos os outros imigrantes foi somente um passo. Agora todo tipo de imigrante se preocupava ao ver skinheads na rua, e esses discursos pseudo-políticos tinham cada vez menos sentido e nada se diferenciavam das tradicionais perseguições dos apolíticos. Agressões tomavam níveis absurdos e uma sensação de terror entre minorias era gritante. Muitos membros da National Front não se afirmavam nazistas, enquanto outros se afirmavam nazistas sob o mesmo partido. Skinheads da extrema direita espancavam pessoas que não concordassem com eles, sob a acusação de comunistas, anarquistas ou esquerdistas. Skinheads da extrema esquerda atacavam pessoas de valores conservadores e "não-esquerdistas", sob a acusação de neo-nazistas. Apolíticos continuavam no seu passatempo tradicional de atacar minorias frágeis por puro entretenimento. Movimentos tentaram unir todos os lados, e acabaram servindo exclusivamente como abrigo de nazistas e fonte de infinitas guerras entre gangues nos shows. A política servia como mero respaldo para a covardia e brutalidade irracional, e os apolíticos não se preocupavam em justificar suas também covardes e assassinas atitudes. As velhas práticas da raíz da década de 60 foram tingidas com o discurso político, mas continuavam sendo a mesma coisa no fim das contas.
No Brasil a mesma confusão ideológica surgiu entre os Carecas, que acabou por separá-los em Carecas e White Powers no fim da década de 80. As práticas de violência gratuita continuavam usando a política como mero pretexto. Centenas de pessoas foram brualmente atacadas e até mesmo assassinadas durante a "evolução" política do movimento Careca dos anos 80 até o começo dos 90. Agora, com as coisas já bem definidas, homossexuais, punks e esquerdistas continuam sendo linchados por Carecas, e negros, judeus e nordestinos continuam sendo linchados por White Powers. E carecas e white powers lincham-se uns aos outros. O pretexto vai se modificando, ramificando, mas as práticas continuam as mesmas. Se os mais velhos perdem cada vez mais o interesse nas brigas, as gerações novas continuam a reproduzir a violência estúpida pseudo-política. A indiferença para o absurdo, no entanto, continua dos dois lados: geração velha e geração nova.
E voltamos a pergunta: para que carregar o rótulo de uma cultura cujos os valores ao longo da história só se mostram a serviço da covardia e da desumanidade? Por que mais uma vez querer associar visões de mundo políticas com coisas que sempre as usaram como pretexto irracional, e não fundamento racional? Para que voltar para uma raíz "espírito de 69" apolítica que também só esteve a serviço do comportamento mais desprezível que um ser humano pode ter, a violência gratuita? O que há de tão especial na música e na moda que faz com que possamos relevar esse passado hediondo e assumirmos essa cultura suja? Acreditar que o discurso político por trás destas coisas são boas justificativas é uma ilusão, sejam os discursos da direita, sejam da esquerda. E não se trata também de sermos pacifistas ou demonizarmos a violência, porque a violência gratuita está para além de qualquer tolerância até do mais bélico e político. Afinal, a violência gratuita e irracional só se presta a pessoas que negam sua natureza, enquanto a verdadeira consciência política e filosófica só está reservada àqueles que assumem sua humanidade.
Há algum tempo atrás (entre 1990 e 1993) a Galeria do Rock abrigava uma loja chamada Rock N’ Roll, cujo acervo era, na sua maior parte, dedicado a vinis bootegs, ou seja, aqueles bolachões de edições limitadíssimas não autorizadas (muitas vezes proveniente da Itália, Rússia e Japão) que continham materiais raros e nunca lançados pelas bandas. Aliás, a Galeria do Rock atual quase não há mais lojas que investem no velho e bom vinil. Aos órfãos restou praticamente a Baratos Afins (um dos últimos redutos “vinilisticos” por lá) e a Galeria Nova Barão, que fica ali pertinho...Bem, no começo dos anos de 1990 a pirataria não tinha esta conotação vulgar de hoje – não era essa coisa prática (prática no sentido de ser pouco seletiva, sem muito encanto) e pobre reproduzida em mídia ou em mp3; era feita com acabamento caprichado (arte gráfica elaborada, prensagem profissional) e carregava, por isto, uma áurea de elegância e excentricidade, o que satisfazia os fãs que não se contentavam com o material oficial soltado pelas gravadoras. O cara que acompanha a banda e quer incrementar sua coleção, sabe as “cerejas do bolo” não estão nos registros convencionais. Contudo, com o advento da internet, perdeu-se a preocupação e o interesse pelo suporte físico destes arquivos.
Na Rock N’ Roll também era possível encontrar as réplicas dos bootlegs originais, com suas capas mal xerocadas (no “melhor” ou “pior” estilo do it yourself) - muitas vezes estes exemplares eram apenas envolvidos numa espécie de envelope branco contendo apenas o set escrito com máquina de escrever. A apresentação poderia ser tosca, mas seu conteúdo tinha valor incalculável e acredito que boa parte daquilo dificilmente chegará algum dia a ser ripado em mp3 (e postado em algum blog) ou mesmo reeditado por algum selo fundo de quintal. Quem era aficcionado em Sisters of Mercy (uma das bandas mais pirateadas de todos os tempos) ficava em choque com quantidade de LP’s com gravações de shows, sobra de estúdios, transmissões de rádio e demos com as mais variadas qualidades sonoras – tinham desde coisas podres captadas por um gravador de mão pela audiência até coisas “cristalinas” registradas em DAT pela galera da mesa de som. Aqueles que queriam arrebatar estes discos tinham que desembolsar uma bela grana, porém o dono disponibilizava um serviço de gravações de fita K7 para quem não tinha como bancar e quisesse saborear um pouco daquele universo clandestino. As reproduções destas fitas nem sempre agradavam muito, pois o som na maioria das vezes ficava extremamente abafado, no entanto isso acabava sendo um mero detalhe para os que queriam ter em mãos aquelas exclusividades. Também era possível encomendar cópias em vídeos (VHS) de shows raros, filmados da platéia, por alguém que não tinha a mínima habilidade com a câmera. A prateleira do The Cult era um sonho, no entanto tinha uma peça ali que me chamava muito a atenção – o vinil Ghost Dancers (com a capa xerocada); um show gravado em 13 de setembro 1983 no teatro Playhouse (Whitley Bay), quando a banda tocava como Death Cult. Como comprar aquele disco não estava a meu alcance, acabei encomendando uma cópia em fita, que quase arrebentou de tanto tocar. Eu cheguei a pensar em ripar a fitinha para cd-r, por uma questão de preservação mesmo, já que depois com a notícia do óbito da Rock N’ Rock, eram remotas as chances de rever aquele disco novamente e, assim, solicitar uma nova cópia. Embora nostálgica, a Era analógica foi pouco prática e por isso tinha lá os seus inconvenientes e isso fica bem claro nestes relatos de um tempo em que ipode quebraria o maior galho...Passado alguns anos virei um adicto de vinis e em uma daquelas garimpadas que eu fazia pela madrugada adentro encontrei um colecionador inglês que tinha o bendito a venda em seu site pessoal. E não era um simples colecionador e sim um cara que tinha trabalhado como roadie nos primórdios do Cult. Logicamente não hesitei em comprar, pois sabia que a chance era única. Depois de uns dias esperando ansiosamente, lá estava eu com o cobiçado Ghost Dancers em mãos. Seu estado de conservação me chamou muito atenção; sua capa original estava praticamente zerada (não era como aquela cópia da cópia como exposta na loja). Algo incrível já que se tratava de uma relíquia de tiragem limitada de 500 cópias em vinil azul, editada em 1985 por um selo japonês chamado Garageland. Valeu cada libra investida e a minha persistência, afinal só quem é colecionador sabe a emoção de manipular um destes “brinquedos”.
Seu track list (logo a baixo) é bem típico daquela fase, mas com algumas coisas singulares - a música “Ressurection Song” foi creditada aqui apenas como “Resurrection”. Esta faixa nunca ganhou uma versão de estúdio, o que agrega um valor discográfico a este vinil. Diferente que muitos devem pensar, “Ressurection” não é nem de longe um esboço da dançante “Resurrection Joe” (1984). “Wild Thing” (cover do The Troogs costumeiramente fechava as apresentações daquela época) tem aqui umas de suas versões pesadas e tribais graças as baquetadas impiedosas e inconfundíveis de Ray Mondo que logo após este show se despedia do Death Cult. A qualidade sonora deste boot não é uma das melhores, mas por estas histórias e particularidades o torna bastante especial para mim e, acredito também, para os fãs old school a quem eu dedico este post.Em maio de 1983, um mês após o fim do Southern Death Cult, o vocalista Ian Astbury se junta ao guitarrista Billy Duffy (William Howard Duffy, nascido em Manchester, recém saído do Theatre of Hate) para formar o Death Cult. A idéia inicial de Ian era dar continuidade a sua banda original, e como o guitarrista buscava mais liberdade musical e para compor, essa junção resultou naqueles históricos "casamentos musicais" que deram mais do que certo (a exemplo do que ocorreu com Robert Plant/Jimmy Page, Mick Jagger/Keith Richards, John Lennon/Paul McCartney, Morrissey/Johnny Marr e tantos outros). A banda foi considerada logo de início como um "super grupo" pós-punk já que se tratava na realidade da junção de três bandas que tinham feito alguma fama dentro daquela cena. Para completar a “cozinha”, foram chamados dois ex-integrantes da banda punk-gótica Ritual; o baterista Raymond Taylor Smith (natural de Serra Leoa, apelidado de Ray Mondo) e o guitarrista Jaime Stewart (nascido em Harrow, norte da Inglaterra) convocado para o baixo.
O entrosamento foi certeiro e após alguns ensaios e gravações demos, a banda lança em julho daquele ano um EP com quatro músicas pelo selo Situation Two. O disco teve boa repercussão e as comparações com o Southern Death Cult foram inevitáveis, mas era possível notar que além da cadencia tribal e das características fortes do "positive punk", as canções traziam uma veia mais rock n roll sixties graças as guitarras sujas e psicodélicas de Billy Duffy que começavam a se destacar. Também não se pode ignorar o amadurecimento da voz de Ian que ao se dar conta das limitações dos músicos do SDC, viu a necessidade de buscar músicos criassem e dessem maior suporte para canções mais elaboradas que viriam a partir daí.Em setembro o baterista Ray se despedia da banda para tocar no Sex Gang Children (meses depois, por estar ilegalmente na Inglaterra, ele fora deportado para Serra Leoa), ocupando o lugar deixado pelo saudoso Nigel Preston que logo foi convidado para tocar no Death Cult. Preston já era um velho conhecido de Billy Duffy, uma vez que havia tocado com ele no Theatre of Hate.
Com o novo baterista, a banda lança em outubro de 1983 o single "God Zoo", música que trás um som mais lapidado e dançante, o que demonstrava que eles estavam dispostos a deixar de vez as conotações góticas para traz e todos os rótulos incessantes que sofria da imprensa britânica. Depois desta mudança sonora, Ian e Billy decidem tirar do nome da banda a sua parte mais negativa - a palavra "Death".No dia 13 de janeiro de 1984, a banda fazia sua primeira aparição na TV como The Cult no programa The Tube. “Estamos mais para a vida do que para a morte”, disse Astbury antes dos primeiros acordes. Nessa altura eles começando a se popularizar nos quatro cantos da Inglaterra, devido ao sucesso do single "Spiritwalker" que apontava no primeiro lugar da parada independente. Este compacto procede a uma tour européia que acontecera meses antes do lançamento de seu primeiro álbum, Dreamtime.
OBS:
Estes texto-poesias foram extraídos de uma transmissão radiofônica intitulada "PARA
ACABAR COM O JULGAMENTO DE DEUS" que foi realizada por Artaud (como autor e narrador) junto com seus amigos Roger Blin, Marie Casarès e Paule Thévenin que, além de narrarem, o ajudaram na produção dos efeitos sonoros durante o ato que que pode ser baixado neste link.