Autor: Sueli Nascimento
Anualmente Atenas pagava a Creta um tributo composto por sete rapazes e sete moças, para serem entregues em sacrifício ao insaciável Minotauro que se alimentava de carne humana. Cansado e disposto a terminar com a opressão Teseu solicitou ser incluído na oferenda daquele ano.
O Minotauro vivia em um labirinto, constituído de salas e passagens intrincadas, no palácio de Knossos. Ao chegar a Creta, Teseu conheceu Ariadne que se apaixonou por ele.
Ariadne, resolvida a salvar Teseu, pediu a Dédalo, o construtor, a planta do palácio que estudou meticulosamente. Ela acreditava que Teseu poderia matar o Minotauro, mas não saberia sair do labirinto. Ariadne deu um novelo de lã a Teseu recomendando que o desenrolasse, à medida que entrasse no labirinto do Minotauro, criando assim uma trilha que lhe possibilitaria encontrar a saída. Teseu usou essa estratégia, matou o Minotauro, salvou os companheiros e, com a ajuda do fio de Ariadne, encontrou o caminho de volta.
Corpo perdido
A clínica reichiana pensa o sofrimento psíquico desde uma ótica corporal. Acreditamos que a retomada da corporalidade representa uma espécie de fio de Ariadne que pode conduzir ao autoconhecemento através de nosso labirinto íntimo.
As pessoas podem aprender sobre quem são, o que querem, suas potencialidades e limites a partir das sensações bioenergéticas e usar esse autoconhecimento para lidar com o estilo de vida contemporâneo de existir distantes de si mesmas e com a percepção desconectada, tanto de seus processos internos como do mundo à sua volta.
Viver desconectado e distante de si é como estar envolvido por uma redoma de vidro percebendo o mundo de maneira distanciada, como se não fizesse parte dele, sem acolhimento, sem abrigo, sem descanso. É nessa retomada de nós mesmos que poderemos refinar nossas funções autoperceptivas e sensoriais e poderemos fazer o reaprendizado relacional sobre o qual falaremos mais adiante.
Quando reiteramos a importância desse refinamento funcional não propomos colocar pedras sobre nossos antigos modos de ver a vida e os comportamentos advindos deles, julgando-os improdutivos, renegá-los.
Isso levaria a outra forma de paralisia energética, levaria ao, já conhecido, hábito de desqualificar a nós mesmos e à repetição de alguns comportamentos inadequados que também são formas de defesa, pois é assim que aprendemos a nos comportar diante da experiência nova, angustiante.
É importante compreender que modos de pensar e padrões viciados de comportamento, baseados puramente em experiências passadas, deixam de ser território seguro e, em determinadas situações, passam a ser prejudiciais para a qualidade de vida da pessoa, não devemos nos desqualificar pelo que fizemos ou deixamos de fazer, é importante aprender com o que consideramos erros, pelo nosso bem e pelo bem de nossa convivência com os outros, mas é fundamental encontrar respostas novas para questões atuais.
Usar no presente aqueles padrões de pensamento e comportamento que funcionaram bem no passado é como usar, na vida adulta, a blusa preferida dos tempos da infância.
As pessoas crescem e o que funcionava antes pode não servir mais, insistir em usar hoje os mesmos recursos, as mesmas ferramentas que foram úteis, ou deram certo, no passado é como usar uma blusa de criança, será no mínimo desconfortável, pode provocar falta de ar, machucar a pele, afinal você já não é mais o mesmo.
Não se pode proteger adequadamente do frio só com aquele pedacinho de lã, da mesma forma é preciso compreender quais mudanças ocorreram e estão ocorrendo agora em sua vida e buscar ampliar recursos que se harmonizem com o momento que está vivendo.
Corpo recuperado
O aprimoramento de nosso modo de viver é importante para o desenvolvimento de defesas funcionais que substituam o encouraçamento rígido que nos limita.
Flexibilizar as couraças é fundamental também para a qualidade da relação da pessoa consigo mesma, elas preservam de alguns impulsos internos difíceis de lidar – por exemplo, quando uma pessoa se depara com um aspecto de sua personalidade até então desconhecido, despertado por uma situação peculiar ou sente como se houvesse outra pessoa dentro dela tomando atitudes que jamais pensaria tomar colocando-se em situações constrangedoras sem que entenda por quê.
Na maior parte das vezes esses impulsos internos não compreendidos, são considerados erros, comportamentos inadequados, atitudes autodestrutivas, mas na verdade foi o afastamento progressivo do Eu que criou toda a confusão entre o Eu que se quer e o Eu que se consegue ser. Pensamos a flexibilização das couraças e a retomada da corporalidade como o ato de tecer o fio de Ariadne. Mas há saída.
Tecendo o fio de Ariadne
Wilhelm Reich, durante as quatro décadas dedicadas à pesquisa em ciência natural sobre a vida e suas funções, afirmava que amor, conhecimento e trabalho devem nortear a vida dos seres humanos, e serão esses os princípios que nortearão a retomada da corporalidade e da relação consigo mesmas das pessoas.
Através do aprendizado sobre si mesmo esse Eu encontrará espaço para se manifestar. É preciso olhar para dentro de nós mesmos com atenção e cuidado, mas sem medo, pois com o apoio de nosso fio de Ariadne teremos a saída de nosso labirinto íntimo.
Paradoxalmente, a redescoberta de si pode ser assustadora e maravilhosa. É fundamental ir além do que nos foi dito sobre quem somos ou o que deveríamos ser; ir além de nossos pressupostos sobre amor, sexo, vida compartilhada, encontros amorosos e descobrir o que, realmente, pensamos e sentimos sobre isso tudo; o que precisamos ainda aprender e o que já podemos ensinar aos outros.
fontePerfil do Autor
Analista reichiana. Consultora Associada da FLUIR Desenvolvimento Social e Humano.
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