quinta-feira, 19 de abril de 2012

Guerreiros do Éden


Tomamos tua terra
Teu sangue
Emprestamos suas palavras
A nossa gratidão veio em forma de doenças e pobres escambos
Corrompemos teus hábitos, tua beleza, teus filhos
Mas, teu espírito é intocado e translúcido a nudez tão invejada
A sabedoria singela, encravada na terra
O teu olhar simples constrange a artificialidade e arrogância de nossas vidas
Sempre fomos mortos diante de ti, pálidos não só na pele, mas também de sentimento
Nosso crime foi ter não aprendido mais contigo
Agora pagamos um nefasto preço talhado
Em nossos corações de concreto...

sexta-feira, 13 de abril de 2012

Bastard Disco - vol. 2

A década de 1980 foi sem dúvida muito fértil para diversos estilos que emergiram depois do punk. Dentro dos gêneros e subgêneros construídos a partir dos moogs e sintetizadores (synth pop, eletro, italo disco etc etc) não faltavam artistas que sonhavam em emplacar algum sucesso nas paradas ou nos clubs. Porém, boa parte (ou grande parte) destas bandas optaram por fazer sua história no underground ou simplesmente se deixaram levar pela maré do esquecimento, sem que ao menos fossem testado seu grande potencial radiofônico. Neste set list (além de algumas figuras carimbadas da cena alternativa) temos, no entanto, dois nomes que sentiram o gostinho do sucesso efêmero e entraram naquela incomoda lista dos "one hit wonder", ou seja, daquelas bandas que ficaram conhecidas ou eternizadas por apenas um hit; When in Rome e Limahl. Além de "The Promise" e "Never End History", respectivamente, esses grupos tinham outras preciosidades guardadas nas mangas que poderiam facilmente grudar nos ouvidos dos que não as conheciam ou satisfazer os que gostariam de escutá-las numa pista de dança retrô antes de morrer. É por isso que material para a continuação da coletânea "Bastard Disco" não faltou e garanto que ainda há muito o que ser resgatado e apresentado em outros volumes...Aproveitem.

1. When In Rome - Wide, Wide Sea
2. Hard Corps - Lucky Charm
3. Dresden China - Fire And Rain
4. Vivien Vee - Blue Disease (Extended Version 1983)
5. Colour Scream - Dance No More (radio mix)
6. Pseudo Echo - I Will Be You
7. Images In Vogue - In The House
8. New Scientists - Shame On You
9. Limahl - Inside To Outside
10. Kissing The Pink - Watching Their Eye
11. Fockewulf 190 - Body Heat (Dario vocal version)
12. Data - Living Inside Me
13. Miro Miroe - Nights Of Arabia (Razormaid!)
14. Section 25 - Crazy Wisdom
15. Kirlian Camera - Ocean (7" version)

*parte 1*
*parte 2*

domingo, 1 de abril de 2012

on april fools day 1998...

Uma doença incurável no dia de descanso.
Caminho sobre as águas, num oceano de incesto. Tenho a imagem de Cristo embebida no meu peito e nunca saio de casa sem o meu colete à prova de amor.
Suicido-me para a lua-de-mel perfeita. Luto com escorpiões que se agarram ao meu pescoço. Sigo o rasto dos assassinos a monte e sei que as crianças preferem usar os dedos em vez de palavras.
As cruzes ardem nos teus templos, que curiosamente ficam todos na avenida da Selvajaria Sanguinária.
Demorei muito tempo para afirmar: EU RECUSO!
O tempo escava a minha sepultura e daqueles que se julgam escolhidos para qualquer coisa…
As crianças escavam sepulturas para ti e para mim.

Peço-te: descreve a doença e eu prescreverei a cura. Vive bem os teus dois dias de vida, como se fossem dois dias de férias. Esquece que existes, vive apenas.

Tenho toda a porcaria espiritual presa às minhas costelas. Como bandidos, corrompem o meu corpo e avermelham a minha pele doente. São salteadores do meu corpo.
As crianças preferem os dedos à conversa fiada.
Os dedos enterram as crianças por debaixo da Vossa hipocrisia, meu querido e cruel… deus.

Posso morrer mil vezes, mas sei que estarei sempre aqui com os segredos bem guardados nos ossos retorcidos da minha caveira que se tornará em pó seco dos anos que nunca cessarão de passar. Os anos que correm em ablação para trás.

Fecho os olhos e vejo o nariz do enforcado gotejando sangue. Olho as minhas mãos e sei que elas são as assassinas que provam a existência das minhas lágrimas.

Jesus! Não te atrevas a tocar-me! Nunca mais me voltes a enganar!
Vem até ao meu coração…, por favor
Onde é que tu estavas? Quando este fogo dentro de mim começou?

Tenho uma missão incumbida pelo Pai para apagar da memória dos homens os portões do Inferno.
Cravarei bem fundo os meus dentes de marfim no corpo da Grande Mãe e saberei quando ela começará a morrer.
Serei o mitómano das Vossas incertezas, a verdade nos Vossos medos.
Pedi vinte e duas mesas para o festim do seu funeral. O Mal será sempre o mais delicado dos convidados.

quarta-feira, 21 de março de 2012

a transformação dos consumidores em mercadorias

Numa enorme distorção e perversão da verdadeira substância da revolução consumista, a sociedade de consumidores é com muita freqüência representada como se estivesse centralizada em torno das relações entre o consumidor, firmemente estabelecido na condição de sujeito cartesiano, e a mercadoria, designada para o papel de objeto cartesiano, ainda que nessas representações o centro de gravidade do encontro sujeito-objeto seja transferido, de forma decisiva, da área da contemplação para a esfera da atividade. Quando se trata de atividade, o sujeito cartesiano pensante (que percebe, examina, compara, calcula, atribui relevância e torna inteligível) se depara – tal como ocorreu durante a contemplação – com uma multiplicidade de objetos espaciais (de percepção, exame, comparação, cálculo, atribuição de relevância, compreensão), mas agora também com a tarefa de lidar com eles: movimentá-los, apropriar-se deles, usá-los, descartá-los.

O grau de soberania em geral atribuído ao sujeito para narrar a atividade de consumo é questionado e posto em dúvida de modo incessante. Como Don Slater assinalou com precisão, o retrato dos consumidores pintado nas descrições eruditas da vida de consumo varia entre os extremos de “patetas e idiotas culturais” e “heróis da modernidade”. No primeiro pólo, os consumidores são representados como o oposto de agentes soberanos: ludibriados por promessas fraudulentas, atraídos, seduzidos, impelidos e manobrados de outras maneiras por pressões flagrantes ou sub-reptícias, embora invariavelmente poderosas. No outro extremo, o suposto retrato do consumidor encapsula todas as virtudes pelas quais a modernidade deseja ser louvada – como a racionalidade, a forte autonomia, a capacidade de autodefi nição e de auto-afi rmação violenta. Tais retratos representam um portador de “determinação e inteligência heróicas que podem transformar a natureza e a sociedade e submetê-las à autoridade dos desejos dos indivíduos, escolhidos livremente no plano privado”.

A questão, porém, é que em ambas as versões – quer sejam apresentados como patetas da publicidade ou heróicos praticantes do impulso autopropulsor para a autoridade – os consumidores são removidos e colocados fora do universo de seus potenciais objetos de consumo. Na maioria das descrições, o mundo formado e sustentado pela sociedade de consumidores fi ca claramente dividido entre as coisas a serem escolhidas e os que as escolhem; as mercadorias e seus consumidores: as coisas a serem consumidas e os seres humanos que as consomem. Contudo, a sociedade de consumidores é o que é precisamente por não ser nada desse tipo. O que a separa de outras espécies de sociedade é exatamente o embaçamento e, em última instância, a eliminação das divisões citadas acima.

Na sociedade de consumidores, ninguém pode se tornar sujeito sem primeiro virar mercadoria, e ninguém pode manter segura sua subjetividade sem reanimar, ressuscitar e recarregar de maneira perpétua as capacidades esperadas e exigidas de uma mercadoria vendável. A “subjetividade” do “sujeito”, e amaior parte daquilo que essa subjetividade possibilita ao sujeito
atingir, concentra-se num esforço sem fi m para ela própria se tornar, e permanecer, uma mercadoria vendável. A característica mais proeminente da sociedade de consumidores – ainda que cuidadosamente disfarçada e encoberta – é a transformação dos consumidores em mercadorias; ou antes, sua dissolução no mar de mercadorias em que, para citar aquela que talvez seja a mais citada entre as muitas sugestões citáveis de Georg Simmel, os diferentes significados das coisas, “e portanto as próprias coisas, são vivenciados como imateriais”, aparecendo “num tom uniformemente monótono e cinzento” – enquanto tudo “flutua com igual gravidade específica na corrente constante do dinheiro”. A tarefa dos consumidores, e o principal motivo que os estimula a se engajar numa incessante atividade de consumo, é sair dessa invisibilidade e imaterialidade cinza e monótona, destacandose da massa de objetos indistinguíveis “que flutuam com igual gravidade específica” e assim captar o olhar dos consumidores (blasé!)...
(trecho do livro: A Vida Para o Consumo - A Transformação das Pessoas em Mercadorias de Zymunt Bauman)

sábado, 17 de março de 2012

existo todavia ...

Vivem em nós inúmeros;
Se penso ou sinto, ignoro
Quem é que pensa ou sente.
Sou somente o lugar
Onde se sente ou pensa.
Tenho mais almas que uma.
Há mais eus do que eu mesmo.
Existo todavia
Indiferente a todos.
Faço-os calar: eu falo.

Os impulsos cruzados
Do que sinto ou não sinto
Disputam em quem sou.
Ignoro-os. Nada ditam
A quem me sei: eu 'screvo.

quinta-feira, 15 de março de 2012