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sábado, 14 de junho de 2014

Prova de que a palavra por vezes deforma totalidade do ser


Artaud, em todas as formas que exerce sua poética, busca a pre-sença em sua totalidade, ou seja, no movimento onde o ser se re-vela e se des-vela. Por isso — apesar da importância da linguagem em seu ser-no-mundo — renega a palavra do ente, a palavra dialogal que se presta ao papel de assessório da linguagem articulada. Na existencialidade, Artaud reivindica a palavra do Ser, a palavra-ser, a palavra-lugar, física e concreta, que se faz pre-sença, onde o pensamento possa expressar sem se tornar refém da linguagem meramente articulada, pois no mundo das representações, a linguagem em Artaud deve ser entendida como tudo aquilo que ocupa a cena e que pode se manifestar e exprimir materialmente numa cena e que — antes de tudo — se dirija aos sentidos, ao invés de se direcionar primeiro lugar ao espírito acostumado com a linguagem das palavras. Daí, o ser-no-mundo na possibilidade da substituição da poesia da linguagem por uma poesia do espaço que já não pertence estritamente às palavras, considerando que a poesia no espaço se dá como possibilidade de criar uma espécie de imagens materiais capazes de superar as imagens das palavras.
"Mas trata-se justamente de saber se a vida não é mais atingida por uma descorporização do pensamento com conservação de uma parcela de consciência num algures indefinível com uma estrita conservação do pensamento. Não se trata, contudo, de esse pensamento trabalhar no vazio, de cair na desrazão, trata-se sim de produzir-se, de lançar chamas, ainda que loucas. Trata-se de existir. (...) porque eu não chamo ter pensamento, ver corretamente, direi mesmo, pensar corretamente, para mim, ter pensamento é manter o seu pensamento, estar em estado de o manifestar a si próprio, de tal forma que ele possa responder a todas as circunstâncias do sentimento e da vida. Mas principalmente responder-se a si próprio[13].
Se a existência humana reside na possibilidade (ser-no-mundo) e não naquilo que foi dado (estar-lançado) significa que o homem tem a responsabilidade de se projetar para poder-ser e fazer da vida um projeto. E para que se realize a possibilidade deste ser-no-mundo como pre-sença, faz-se necessário ter a compreensão e a interpretação dos caracteres existenciais da abertura do ser-no-mundo.
Mas a compreensão e a interpretação aos caracteres existenciais da abertura do ser-no-mundo quando o ser-no mundo cotidiano se detém no modo de ser do impessoal, deve se dar com um propósito puramente ontológico para — mantendo-se distante da crítica moralizante da pre-sença, bem como de um discurso que se pretende uma "filosofia pura" — se abrir possibilidades de demonstrar o verdadeiro poder-ser da pre-sença. Porque toda compreensão traz em si a possibilidade de interpretação, o que significa uma apropriação daquilo que se compreende. Mas, considerando que as palavras não se prestam apenas ao papel de nomear as coisas, faz-se necessário uma hermenêutica para uma interpretação capaz de des-velar o sentido do Ser.
Devemos então considerar que, independentemente do projeto que o homem elege dentre as inúmeras possibilidades que se lhe abrem para a vida, uma se destaca como certamente realizável: a morte. A morte como a única experiência direta e vedada por princípio, considerando que esta experiência se apresenta apenas com a morte do outro. Mas é vivida como possibilidade existencial que cresce e amadurece à medida em que se vive.
É dizer que além de um ente que está-aí, lançado no mundo, o homem está lançado para a morte. É ser para a morte, para o nada que se apresenta como a possibilidade que define a existência.
Assim, daquilo que se pode chamar de existência autêntica, significa a consciência para a morte, não como uma eventualidade empírica, mas algo pelo qual a existência se define antes de qualquer coisa.

trecho extraído DAQUI

segunda-feira, 12 de setembro de 2011

free your mind

E não podemos admitir que se impeça o livre desenvolvimento de um delírio, tão legítimo e lógico como qualquer outra série de idéias e atos humanos.
(Antonin Artaud)

domingo, 10 de julho de 2011

Para acabar com o julgamento de Deus (Antonin Artaud)

TUTUGURI
Rito de Sol Negro

E lá embaixo, no pé da encosta amarga,
cruelmente desesperada do coração,
abre-se o círculo das seis cruzes
bem lá embaixo
como se incrustada na terra amarga,
desincrustada do imundo abraço da mãe
que baba.
A terra do carvão negro
é o único lugar úmido
nessa fenda de rocha.
Rito é o novo sol passar através de sete pontos antes de explo -
dir no orifício da terra.
Há seis homens
um para cada sol
e um sétimo homem
que é o sol
cru
vestido de negro e carne viva.
Mas este sétimo homem
é um cavalo,
um cavalo com um homem conduzindo-0.
Mas é o cavalo
que é o sol
e não o homem.
No dilaceramento de um tambor e uma trombeta longa
estranha,
os seis homens
que estavam deitados
tombados no rés-do-chão,
brotaram um a um como girassóis,
não sóis
porém solos que giram,
lótus d’água,
e a cada um que brota
corresponde, cada vez mais sombria
e refreada
a batida do tambor
até que de repente chega a galope, a toda velocidade
último sol,
o primeiro homem,
o cavalo negro com um
homem nu,
absolutamente nu
e virgem
em cima.
Depois de saltar, eles avançam em círculos crescentes
e o cavalo em carne viva empina-se
e corcoveia sem parar
na crista da rocha
até os seis homens
terem cercado
completamente
as seis cruzes.
Ora, o tom maior do Rito é precisamente
A ABOLIÇÃO DA CRUZ
Quando terminam de girar
arrancam
as cruzes do chão
e o homem nu
a cavalo
ergue
uma enorme ferradura
banhada no sangue de uma punhalada.
A BUSCA DA FECALIDADE
Onde cheira a merda
cheira a ser.
homem podia muito bem não cagar,
não abrir a bolsa anal
mas preferiu cagar
assim como preferiu viver
em vez de aceitar viver morto.
Pois para não fazer cocô
teria que consentir em
não ser,
mas ele não foi capaz de se decidir a perder o ser,
ou seja, a morrer vivo.
Existe no ser
algo particularmente tentador para o homem
algo que vem a ser justamente
COCÔ
( AQUI RUGIDO)
Para existir basta abandonar-se ao ser
mas para viver
é preciso ser alguém
e para ser alguém
é preciso ter um OSSO,
é preciso não ter medo de mostrar o osso
e arriscar-se a perder a carne.
homem sempre preferiu a carne
à terra dos ossos.
Como só havia terra e madeira de ossos
ele viu-se obrigado a ganhar sua carne,
só havia ferro e fogo
e nenhuma merda
e o homem teve medo de perder a merda
ou antes desejou a merda
e para ela sacrificou o sangue.
Para ter a merda,
ou seja, carne
onde só havia sangue
e um terreno baldio de ossos
onde não havia mais nada para ganhar
mas apenas algo para perder, a vida.
reche modo
to edire
de za
tau dari
do padera coco
Então o homem recuou e fugiu.
E então os animais o devoraram.
Não foi uma violação,
ele prestou-se ao obsceno repasto.
Ele gostou disso
e também aprendeu
a agir como animal
e a comer seu rato
delicadamente.
E de onde vem essa sórdida abjeção?
Do fato de o mundo ainda não estar formado
ou de o homem ter apenas uma vaga idéia do que seja o mundo
querendo conservá-la eternamente?
Deve-se ao fato de o homem
ter um belo dia
detido
a idéia do mundo.
Dois caminhos estavam diante dele:
o do infinito de fora
o do ínfimo de dentro.
E ele escolheu o ínfimo de dentro
onde basta espremer
o pâncreas,
a língua,
o ânus,
ou a glande.
E deus, o próprio deus espremeu o movimento.
É deus um ser?
Se o for, é merda.
Se não o for,
não é.
Ora, ele não existe
a não ser como vazio que avança com todas as suas formas
cuja mais perfeita imagem
é o avanço de um incalculável número de piolhos.
"O Sr. Está louco, Sr. Artaud? E então a missa?"
Eu renego o batismo e a missa.
Não existe ato humano
no plano erótico interno
que seja mais pernicioso que a descida
do pretenso Jesus-cristo
nos altares.
Ninguém me acredita
e posso ver o público dando de ombros
mas esse tal cristo é aquele que
diante do percevejo deus
aceitou viver sem corpo
quando uma multidão
descendo da cruz
à qual deus pensou tê-los pregado há muito tempo,
se rebelava
e armada com ferros,
sangue,
fogo e ossos
avançava desafiando o Invisível
para acabar com o JULGAMENTO DE DEUS
A QUESTÃO QUE SE COLOCA...
O que é grave
É sabermos
que atrás da ordem deste mundo
existe uma outra
Que outra?
Não o sabemos.
O número e a ordem de suposições possíveis
neste campo
é precisamente
o infinito!
E o que é o infinito?
Não o sabemos com certeza.
É uma palavra que usamos
para designar
abertura
da nossa consciência
diante da possibilidade
desmedida,
inesgotável e desmedida.
E o que é a consciência?
Não o sabemos com certeza.
É o nada.
Um nada
que usamos
para designar
quando não sabemos alguma coisa
e de que forma
não o sabemos
e então
dizemos
consciência,
do lado da consciência
quando há cem mil outros lados.
E então?
Parece que a consciência
está ligada
em nós
ao desejo sexual
e à fome.
Mas poderia
igualmente
não estar ligada
a eles.
Dizem,
é possível dizer,
há quem diga
que a consciência
é um apetite,
o apetite de viver:
e imediatamente
junto com o apetite de viver
o apetite da comida
imediatamente nos vem à mente;
como se não houvesse gente que come
sem o mínimo apetite;
e que tem fome.
Pois isso também
existe:
os que tem fome
sem apetite;
e então?
Então
o espaço do possível
foi-me apresentado
um dia
como um grande peido
que eu tivesse soltado;
mas nem o espaço
nem a possibilidade
eu sabia exatamente o que fossem,
nem sentia necessidade de pensar nisso,
eram palavras
inventadas para definir coisas
que existiam
ou não existiam
diante da
premente urgência
de uma necessidade:
suprimir a idéia,
a idéia e seu mito
e no seu lugar instaurar
a manifestação tonante
dessa necessidade explosiva:
dilatar o corpo da minha noite interior,
do nada interior
do meu eu
que é noite,
nada,
irreflexão,
mas que é explosiva afirmação
de que há
alguma coisa
para dar lugar:
meu corpo.
Mas como,
reduzir meu corpo
a um gás fétido?
Dizer que tenho um corpo
porque tenho um gás fétido
que se forma em mim?
Não sei
mas
sei que
o espaço,
o tempo,
a dimensão,
o devir,
o futuro,
o destino,
o ser,
o não-ser,
o eu,
o não-eu
nada são para mim;
mas há uma coisa
que é algo,
uma só coisa
que é algo
e que sinto
por ela querer
SAIR:
a presença
da minha dor
do corpo,
a presença
ameaçadora
infatigável
do meu corpo;
e ainda que me pressionem com perguntas
e por mais que eu me esquive a elas
há um ponto
em que me vejo forçado
a dizer não,
NÃO
à negação;
e chego a esse ponto
quando me pressionam,
e me apertam
e me manipulam
até sair de mim
o alimento,
meu alimento
e seu leite,
e então o que fica?
Fico eu sufocado;
e não sei que ação é essa
mas ao me pressionarem com perguntas
até a ausência
e a anulação
da pergunta
eles me pressionam
até sufocarem em mim
a idéia de um corpo
e de ser um corpo,
e foi então que senti o obsceno
e que
soltei um peido
de saturação
e de excesso
e de revolta
pela minha sufocação.
É que me pressionavam
ao meu corpo
e contra meu corpo
e foi então
que eu fiz tudo explodir
porque no meu corpo
não se toca nunca
"POST SCRIPTUM"
Quem sou eu?
De onde venho?
Sou Antonin Artaud
e basta eu dizê-lo
como só eu o sei dizer
e imediatamente
verão meu corpo atual
voar em pedaços
e se juntar
sob dez mil aspectos
notórios
um novo corpo
no qual nunca mais
poderão
me esquecer.

OBS:
Estes texto-poesias foram extraídos de uma transmissão radiofônica intitulada "PARA
ACABAR COM O JULGAMENTO DE DEUS" que foi realizada por Artaud (como autor e narrador) junto com seus amigos Roger Blin, Marie Casarès e Paule Thévenin que, além de narrarem, o ajudaram na produção dos efeitos sonoros durante o ato que que pode ser baixado neste
link.

domingo, 20 de março de 2011

carta ao papa


O confessionário não é você, oh Papa, somos nós; entenda-nos e que os católicos nos entendam.
Em nome da Pátria, em nome da Família, você promove a venda das almas, a livre trituração dos corpos.
Temos, entre nós e nossas almas, suficientes caminhos para percorrer, suficientes distâncias para que neles se interponham os teus sacerdotes vacilantes e esse amontoado de doutrinas afoitas das quais se nutrem todos os castrados do liberalismo mundial.
Teu Deus católico e cristão que, como todos os demais deuses, concebeu todo o mal:
1º. Você o enfiou no bolso.
2º. Nada temos a fazer com teus cânones, índex, pecado, confessionário, padralhada, nós pensamos em outra guerra, guerra contra você, Papa, cachorro.
Aqui o espírito se confessa para o espírito.
De ponta a ponta do teu carnaval romano, o que triunfa é o ódio sobre as verdades imediatas da alma, sobre estas chamas que chegam a consumir o espírito. Não existem Deus, Bíblia. Evangelho; não existem palavras que possam deter o espírito.
Nós não estamos no mundo, oh Papa confinado no mundo; nem a terra nem Deus falam de você.
O mundo é o abismo da alma. Papa caquético. Papa alheio à alma, deixe-nos nadar em nossos corpos, deixe nossas almas em nossas almas, não precisamos do teu facão de claridades.

(Antonin Artaud)

terça-feira, 16 de novembro de 2010

sobre a ruína da vida social e decadência cotidiana

"Tenho lutado para experimentar e existir, para lutar e consentir nas formas (todas as formas) com as quais a delirante ilusão de estar no mundo impregnou a realidade.
Não desejo continuar enganado por ilusões. Morto para o mundo; para aquilo que para todos os demais constitui o mundo; finalmente caído, tombado, erguido dentro do vazio que eu havia rejeitado. Tenho um corpo que experimenta o mundo e vomita realidade.
Aquele que vos fala é alguém que verdadeiramente desesperou e conheceu a felicidade de estar no mundo somente agora quando deixou o mundo, quando está absolutamente separado dele.
Estamos mortos, os demais não estão separados. Continuam a circular em torno de seus próprios cadáveres.
Não estou morto, mas estou separado".


(Antonin Artaud)

terça-feira, 31 de agosto de 2010

honesto...sangrento...grostesco

O que é louco? O que é um alienado autêntico?

É um homem que preriu ficar louco no sentido socialmente admitido, ao invés de prevaricar contra determinada idéia de honra humana.

quinta-feira, 1 de outubro de 2009

um pouco de transcendência da espécie & amor

A Supressão do ser é a supressão do Masculino-Feminino. Não haverá mais nada disso. Nem mais Pai-Mãe. Contração de um Divisor comum: Satã. O Espírito Santo foi o Macho: esse morreu para sempre. (Antonin Artaud)

segunda-feira, 7 de setembro de 2009

poeta negro (Antonin Artaud)


Poeta negro, um seio de donzela
te surpreende poeta amargo, a vida borbulha
e a cidade arde, e o céu se forma em chuva,
e sua pluma arranha o coração da vida.

Selva, selva, os olhos formigam
nos pináculos multiplicados;
cabeleira de tormenta, os poetas
montam sobre cavalos, cachorros.

Os olhos se enfurecem,as línguas giram o céu...
flui as narinas como de azul leite materno.
estou suspenso em suas bocas
mulheres, duros corações de vinagre.