terça-feira, 29 de março de 2011

Black Sundays - American Gothic

O K7 "American Gothic" trata-se apenas de uma cópia da versão CD (com bônus) lendária coletânea homônima editada originalmente como LP em 1988, pelos selos BOMP! (EUA) e Gymnastic Records (Inglaterra, mas com prensagem na Alemanha). Para apresentar este disco tão bacana, decidi transcrever pequenas notas contidas nos fanzines Enter The Shadow e Batzone (este, como estava mal escrito e é de minha autoria, me dei a liberdade de arrumá-lo ou pelo menos dar uma melhorada). Aproveitem e bom download!

THE KRYPT era um dos clubs que funcionou em Los Angeles na década de 90. Algo assim como a nossa extinta (que Deus a tenha!) TREIBHAUS...A história do Gothic Rock norte americano traz a THE KRYPT como seu templo eterno, tudo aconteceu lá. A Gymnastic Records relançou em CD este álbum histórico, com 2 faixas extras: "Tangia" do Mephisto Walz e "Requiem" do Christian Death. As outras faixas são mais puro gothic rock, desde suavidades como "Simple Addictions" do Scream For Tina" até porradas como "Burn Like Angel" do Subterraneans e "State of Decay" dos ótimos Deathride 69. O Radio Werewolf com "Dead Alive" e, no entanto o encarte troca Califórnia por "Kalifornia" e Hollywood por "Hollywierd"...O Ex-Voto com seu visual Sisters vem com "Falling Apart". Duas do H-Bomb White Noise: "Modern Destroy" e "H-Bomb White Noise" e mais algumas pérolas negras...Depois do fim do THE KRYPT, o "American Gothic Way of Life" nunca foi o mesmo.
(por DJ Tonyy - Enter The Shadow - número 05, maio de 1993)


Depois das coletâneas pioneiras Batcave: Young Limbs, Numb Hymns e The Whip (ambas lançadas na Inglaterra), a Califórnia também quis mostrar suas crias em forma de bolacha. Seu título não poderia ser melhor: "American Gothic". A capa faz uma brincadeira fetichista ao famoso quadro de camponeses protestantes de mesmo nome. Apesar de dar um panorama da cena da costa oeste (mais precisamente de Los Angeles e Orange County) do inicio da década de 1980, boa parte das bandas aqui apresentadas não existiam mais quando este LP foi lançado (1988). Gothabilly, horrorpunk, deathrock nas suas mais variadas formas, coisinhas minimalistas e experimentais; este é um prato cheio para os amantes destes gêneros. A sua versão digital (editada em 1992) tem o acréscimo de duas faixas: Christian Death com "Requiem" (um belíssimo e raro medley de "Dogs" e "Dream for Mother" gravado ao vivo em 1981 no Al's Bar) e Mephisto Walz com a versão original de "Tangia" tirada do álbum "Croscosmia" (este track serviu nada mais como divulgação para mais um item do catalogo da Gymnastic). Em minha opinião, este disco poderia ter ficado melhor e mais completo se tivessem entrado também como bônus as bandas Kommunity FK, Superheroines e Voodoo Church. Fica a dica para uma próxima edição, já que esta se encontra fora de catálogo há mais de duas décadas.
(por Rod Heltir - Batcave - número 02, outubro de 2003)

Notas extras:
- O Premature Ejaculation, por ter sido uma das mais frequentes e principais atrações do pequeno palco do The Krypt, muito me admirou que o editor (ou o artista gráfico) tenha creditado o projeto como "Premature Ejaculations" logo na capa. Isso poderia ter sido corrigido na sua versão digital.

- Dentro da pasta de arquivos coloquei a capa digitalizada (e colorida) do K7 Black Sundays (C22) para que o ouvinte possa guardar como memorabilia, bem como todo encarte e selo do CD original na sub-pasta "folder".

Track list:
1. Screams For Tina - Simple Addictions (4:53)
2. Subterraneans - Burn Like An Angel (3:05)
3. U.P. (The Rotorbeat) - New Age (2:07)
4. Black March - Angel Day (2:20)
5. H-Bomb White Noise - Modern Destroyed (3:27)
6. Radio Werewolf - Buried Alive (5:30)
7. Death Ride '69 - State Of Decay (3:56)
8. G.O.D. - Sol (3:01)
9. Ex-Voto - Falling Apart (3:09)
10. H-Bomb White Noise - H-Bomb White Noise (4:13)
11. Premature Ejaculation - Pig Face Show & Tell / Blue Honey (6:18)
12. Mephisto Walz - Tangia (4:36)
13. Christian Death - Requiem (Live Cut. Al's Bar, L.A. 1981) (5:55)
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domingo, 20 de março de 2011

carta ao papa


O confessionário não é você, oh Papa, somos nós; entenda-nos e que os católicos nos entendam.
Em nome da Pátria, em nome da Família, você promove a venda das almas, a livre trituração dos corpos.
Temos, entre nós e nossas almas, suficientes caminhos para percorrer, suficientes distâncias para que neles se interponham os teus sacerdotes vacilantes e esse amontoado de doutrinas afoitas das quais se nutrem todos os castrados do liberalismo mundial.
Teu Deus católico e cristão que, como todos os demais deuses, concebeu todo o mal:
1º. Você o enfiou no bolso.
2º. Nada temos a fazer com teus cânones, índex, pecado, confessionário, padralhada, nós pensamos em outra guerra, guerra contra você, Papa, cachorro.
Aqui o espírito se confessa para o espírito.
De ponta a ponta do teu carnaval romano, o que triunfa é o ódio sobre as verdades imediatas da alma, sobre estas chamas que chegam a consumir o espírito. Não existem Deus, Bíblia. Evangelho; não existem palavras que possam deter o espírito.
Nós não estamos no mundo, oh Papa confinado no mundo; nem a terra nem Deus falam de você.
O mundo é o abismo da alma. Papa caquético. Papa alheio à alma, deixe-nos nadar em nossos corpos, deixe nossas almas em nossas almas, não precisamos do teu facão de claridades.

(Antonin Artaud)

quinta-feira, 3 de março de 2011

Black Sundays - Hard Goth I


Como prometido, segue mais uma reprodução em mp3 de mais uma daquelas fitas K7 do Projeto Black Sundays. Desta vez trata-se da "Hard Goth I", ou seja, uma compilação de sons mais "hard". Lógico que não se trata de nada que beira o heavy-metal e sim de um simples registro com canções que representam o gothic rock nas suas mais densas características. Há coisas como Red Lorry Yellow Lorry e Altered States que fazem jus ao título (baterias marcadas e aceleradas, vozes guturais...), porém a barulheira é amortizada com a levada mais softs de This Mortal Col com "16 Days" (a versão reprise de "Gathering Dust", que aliás é uma excentricidade mais pós-punk se compararmos com o resto do repertório deste emblemático projeto da 4AD) e James Ray and The Performance com a "animadinha" e dançante (leia-se electro-gótica, mezzo techno-pop) que parece ter caído de para quedas entre as figurações mais tradicionais aqui apresentadas, mas é velharia da boa, então está valendo. O set list de "Hard Goth I" centra-se em bandas clássicas dos anos de 1980, contudo concede espaço a um hit das pistas alemãs do inicio dos anos de 1990; "Mescal" do Arts & Dacay com sua cadência old school e vocais ala Bauhaus. É um belo e efêmero apanhado que agrada os morcegões de plantão que curtem um som mais encorpado, direto, recheado de batidas fortes e guitarras barulhentas no melhor estilo goth n' roll. Infelizmente não consegui adquirir na época a sequencia (ou as sequencias) da "Hard Goth I". De qualquer modo, o derradeiro item desta série Black Sundays será a coletânea "American Gothic"*. Enjoy!

Track list:
A 1. Play Dead - Solace (5:40)
A 2. Altered States - Low Life (4:59)
A 3. Red Lorry Yellow Lorry - Walking On Your Hands (2:43)
A 4. Arts & Decay - Mescal (3:54)
A 5. Christian Death - Romeo's Distress (3:14)
A 6. The Sisters Of Mercy - Adrenochrome (2:57)
A 7. James Ray And The Performance - Dust Boat (4:29)
B 8. Siouxsie and the Banshees - Trophy (3:18)
B 9. XMal Deutschland - Matador (6:56)
B 10. This Mortal Coil - 16 Days (4:15)
B 11. Joy Division - These Days (3:24)
B 12. Death in June - The Calling (MK II) (5:38)
B 13. Sex Gang Children - Who on Earth Can That Be? (4:02)
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segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

Getting The Fear + Into A Circle


O Getting the Fear surgiu a partir da dissolução do Southern Death Cult no início de 1983. Barry, Buzz e Aky convocaram o vocalista Bee (Paul Hampshire) para substituir Ian Astbury que estava descontente com a nova direção musical que seus companheiros queriam seguir.

Em atividade por dois anos, o GTF gravou diversas demos, lançou apenas um single (“Last Salute” – pela major RCA) e fez uma maratona de apresentações em alguns clubes, incluindo uma aparição em um programa da BBC, onde aparecem tocando “Yurune" e dando entrevista. A exposição da banda foi até significativa, já que ainda colhiam os ecos causados pela popularidade do Southern Death Cult. Mas, diferente da imagem lúgubre da encarnação anterior introduzida por Ian, a banda consegue uma difícil proeza de ser pop sem cair no descartável e no vulgar. Por outro lado a proposta era bem alternativa já que era arriscado negar a sombra gótica que carregavam, típico da geração que estes garotos faziam parte.

Em abril de 1985, Aky e Buzz deixam a banda para formar o Joy, antes de partirem para outros projetos. Bee e Barry decidem levar a diante as idéias iniciadas pelo Getting the Fear, formando o In Two A Circle (nome baseado, talvez, nos círculos mágicos adotados por Aleister Crowley). Seu conceito era ultrapassar os limites da música e transformar a banda numa experiência única que agregasse poesia, ocultismo, sexualidade e introspecção espiritual. Isso tudo era perceptível tanto em suas letras quanto na atitude, já que seu som, em si, explorava as fronteiras do rock pop com boas doses de psicodelismo. A sua maior influencia literária vinha do escritor e filosofo Brion Gysin (um assíduo colaborador de William S. Burroughs) que foi primeiro ocidental que descobrir a música de transe da aldeia de Jajouka (Marrocos) executada em diversos rituais.

Depois de alguns meses compondo e ensaiando, a banda faz seu primeiro show no Croydon Underground em dezembro de 1985. Em seguida sai o single de estréia - "Rise" que, assim como os discos posteriores, segue uma política de total controle criativo - Bee e Barry produzem e fazem as artes das capas. Devido sua tiragem limitada (de cinco mil cópias) "Rise" se esgota rapidamente e em março de 1986 a banda faz uma pequena turnê pela Inglaterra e Escócia. Neste período o In Two A Circle já contava com a colaboração esporádica Rose McDowall do Strawberry Switchblade para os backing vocais. Foi através de McDowall que a banda foi envolvida no círculo de artistas como Death in June, Coil, Current 93, Psychic TV, que partilhavam dos mesmos pensamentos da vanguarda musical difundida através de experimentalismo industrial, sonoridade folk e letras que sofriam influências de poesia, magia, thelema, satanismo e hermetismo. É interessante frisar que Genesis P-Orridge (Throbbing Gristle, Psychic TV) foi um dos caras que ajudaram na divulgação das primeiras demos da banda ainda como Gettting The Fear.

Em julho daquele ano assinam um contrato com a Abstract Records, simplificam o nome para Into a Circle e editam o single "Inside Out” que chegou a apontar nas paradas independentes. Do mesmo modo este compacto marca o desistência do baixista Barry em trabalhar com músicos convidados nas gravações, o que levou a banda a trazer ao palco sons pré-gravados para tentar recriar as ambientações das sessions de estúdio. No entanto, o Into a Circle em suas apresentações não dispensa o uso bateria acústica e guitarra – a banda recebe a colaboração de diversos músicos, tendo como destaque o guitarrista Billy Morrison que futuramente tocaria como baixista para o The Cult.

"Forever" é o terceiro single e a é primeira gravação de estúdio com a participação de McDowall e que teve a co-produção assinada por Larry Steinbeck do Bronski Beat. Esse lançamento precedeu o lançamento do seu único álbum; Assassins, no verão de 1988. O LP foi promovido através de uma exaustiva turnê. Porém, mesmo com tanto empenho, Bee e Barry não conseguem reconhecimento mais amplo, fora do circuito alternativo. Rumores que eles abririam a turnê Innocents do Erasure apareceram. Isso os animaram, até que, por motives financeiros, os executivos da gravadora desistem dessa investida.

Com a entrada da poetisa e artista punk Annie Bandez (natural de Nova York, também conhecida como Little Annie Anxiety Bandez ou Annie Anxiety) em seu line-up, o Into A Circle oferece um som mais complexo e elaborado. Daí que também surge a idéia de re-trabalhar sons antigos da época do Getting the Fear, como “Sometimes” e “Yurune”. Era latente a intenção de reestruturar o projeto, tanto que mudam o seu nome para Big World Café e depois para Ugly, até que resolvem se separar definitivamente em outubro de 1989 depois de um show no Fulham Greyhound.

Bee hoje em dia reside na Tailândia, onde é DJe membro da banda de electro-rock Futon ao lado de Simon Gilbert (ex-baterista do Suede), e Barry vive ainda na Inglaterra onde é produtor, um respeitado engenheiro de som, professor de conservatório e agente de turnê de diversas bandas (já trabalhou com Placebo, Green Day, Foo Fighters, Bryan Adams, Nick Cave, Iron Maiden, Kasabian, Ozzy Osbourne, Kaiser Chiefs, Will Young, Tool, Girls Aloud, Rammstein e Brian Ferry).

Em 2008, o selo Cherry Records re-edita o álbum Assassins em cd remasterizado e com oito bônus provenientes de outros singles e lados B.

quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

The Southern Death Cult - blog

Penso que nunca escreveram tanto sobre Southern Death Cult e adjacentes. Ainda preciso fazer pequenos ajustes. Quem sabe futuramente uma sessão para download. Enjoy!

sábado, 19 de fevereiro de 2011

Black Sundays - Morbid I

Entre 1991 (ou 92?) e 1995, o Black Sundays do DJ Tonyy foi o mais expressivo projeto que apoiou e divulgou de fato as chamadas gothic tendencies no circuito alternativo paulistano. Numa em época em que a difusão on-line ainda nem era sonhada, seu idealizador se sentiu sensibilizado pela carência de informação que o público aficionado da época sofria. Mesmo que sua intenção inicial fosse ganhar este peculiar público noctívago pelos tímpanos, não era exagero chamar essa empreitada como incentivo cultural - onde havia um clube (em especial o Armagedon) que tocasse um som que estava dentro de sua proposta, lá estava a "lojinha" do Projeto Black Sundays vendendo suas fitinhas (ainda não tínhamos o cd-r que hoje em dia também já é obsoleto), camisetas, fanzines e outras coisinhas que faziam, paradoxalmente, qualquer gótico feliz...Além das discotecagem o projeto promovia mostras de filmes expressionistas do inicio do século XX voltados para tal estética, fomentando a propagação de suas atividades com uma cara mais “cult”. Parece uma afirmação nostálgica e repetitiva desmerecer a maioria dos trevosos atuais – boa parte de quem vivenciou isso sabe de cor que não se fazem mais góticos como antigamente. O que temos hoje na realidade é um subproduto banal deste bombardeamento de informações; naquela época era possível distinguir o sujeito que acompanhava esta sub-cultura, pois seu interesse era de um genuíno garimpeiro. A democracia ou a inclusão digital está ai e isso faz com que questionemos alguns gostos atuais e concluímos que boa parte das afeições pelo underground, expressadas no mundo virtual é conduzida por uma efêmera e duvidosa “paixão”. Mas, voltando ao tal Black Sundays...Até um tempo atrás, artigos como cds e LP's que faziam a felicidade desta turma, vinham de fora. Importar ainda era muito caro, então por que não "fabricar" as suas próprias compilações em fitas K7 como os amigos faziam? Vender este item ao equivalente a uns R$ 4,00 pagava a mão de obra e o recheio era o suficiente para você conhecer uma gama de bandas até então desconhecidas. Eram diversos títulos com número de catálogo número e tudo mais, sendo que a maioria tratava-se de compilações que exibiam as “principais músicas” (como um greatest hits) das bandas mais expressivas da dark music ou coletâneas sortidas que levavam em seu rótulo o subgênero que predominava seu set, tipo “dark wave”, “gothic rock’ etc. Sim, a idéia de fato era catequizar, mas não de forma arrogante, e sim de maneira bem amigável e acessível. Eu adquiri na finada Mr Boris três destas fitas e foi através destas “memorabilia” que conheci muita coisa. Elas eram embaladas com uma capinha impressa em papelão de gramatura média e marrom, com a logomarca “Black Sundays” e o track list escritos com as fonts características das demais peças gráficas difundidas pelo projeto.
Nestes lapsos nostálgicos resolvi reproduzir o set de duas destas fitas em mp3 e disponibiliza-las para download a fim de dividir a emoção que era de manipular um tapedeck. A primeira tem o título de “Morbid I” que possui uma lista de músicas com uma abordagem bem soturna que poderiam tranquilamente servir como trilha sonora para um funeral num domingo chuvoso...Dentro da pasta há digitalizado a capa do K7 original. A próxima coletânea será a “Hard Goth I”. Espero que apreciem.

Track list:
A 1. Death In June - Last Farwell (5:33)
A 2. Tones On Tail - Movement Of Fear (3:51)
A 3. The Eternal Afflict - Crash Course In The Garden of Christ (5:55)
A 4. Maeror Tri - Ardor (4:14)
A 5. The Cure - Cold (4:26)
A 6. The Sisters Of Mercy - Fix (3:41)
B 7. Les Berrtas - Ruhe in Unfrieden (5:15)
B 8. In Slaughter Natives - Angel Meat (5:21)
B 9. Lycia - Everything Is Cold (3:25)
B 10. Das Ich - Freuel (5:58)
B 11. Love And Rockets - Saudade (5:00)
B 12. Siouxsie and The Banshees - Obsession (3:51)

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terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

Corpo Perdido, Corpo Recuperado - Autoconhecimento E Bioenergia


Autor: Sueli Nascimento


Anualmente Atenas pagava a Creta um tributo composto por sete rapazes e sete moças, para serem entregues em sacrifício ao insaciável Minotauro que se alimentava de carne humana. Cansado e disposto a terminar com a opressão Teseu solicitou ser incluído na oferenda daquele ano.

O Minotauro vivia em um labirinto, constituído de salas e passagens intrincadas, no palácio de Knossos. Ao chegar a Creta, Teseu conheceu Ariadne que se apaixonou por ele.

Ariadne, resolvida a salvar Teseu, pediu a Dédalo, o construtor, a planta do palácio que estudou meticulosamente. Ela acreditava que Teseu poderia matar o Minotauro, mas não saberia sair do labirinto. Ariadne deu um novelo de lã a Teseu recomendando que o desenrolasse, à medida que entrasse no labirinto do Minotauro, criando assim uma trilha que lhe possibilitaria encontrar a saída. Teseu usou essa estratégia, matou o Minotauro, salvou os companheiros e, com a ajuda do fio de Ariadne, encontrou o caminho de volta.

Corpo perdido

A clínica reichiana pensa o sofrimento psíquico desde uma ótica corporal. Acreditamos que a retomada da corporalidade representa uma espécie de fio de Ariadne que pode conduzir ao autoconhecemento através de nosso labirinto íntimo.

As pessoas podem aprender sobre quem são, o que querem, suas potencialidades e limites a partir das sensações bioenergéticas e usar esse autoconhecimento para lidar com o estilo de vida contemporâneo de existir distantes de si mesmas e com a percepção desconectada, tanto de seus processos internos como do mundo à sua volta.

Viver desconectado e distante de si é como estar envolvido por uma redoma de vidro percebendo o mundo de maneira distanciada, como se não fizesse parte dele, sem acolhimento, sem abrigo, sem descanso. É nessa retomada de nós mesmos que poderemos refinar nossas funções autoperceptivas e sensoriais e poderemos fazer o reaprendizado relacional sobre o qual falaremos mais adiante.

Quando reiteramos a importância desse refinamento funcional não propomos colocar pedras sobre nossos antigos modos de ver a vida e os comportamentos advindos deles, julgando-os improdutivos, renegá-los.

Isso levaria a outra forma de paralisia energética, levaria ao, já conhecido, hábito de desqualificar a nós mesmos e à repetição de alguns comportamentos inadequados que também são formas de defesa, pois é assim que aprendemos a nos comportar diante da experiência nova, angustiante.

É importante compreender que modos de pensar e padrões viciados de comportamento, baseados puramente em experiências passadas, deixam de ser território seguro e, em determinadas situações, passam a ser prejudiciais para a qualidade de vida da pessoa, não devemos nos desqualificar pelo que fizemos ou deixamos de fazer, é importante aprender com o que consideramos erros, pelo nosso bem e pelo bem de nossa convivência com os outros, mas é fundamental encontrar respostas novas para questões atuais.

Usar no presente aqueles padrões de pensamento e comportamento que funcionaram bem no passado é como usar, na vida adulta, a blusa preferida dos tempos da infância.

As pessoas crescem e o que funcionava antes pode não servir mais, insistir em usar hoje os mesmos recursos, as mesmas ferramentas que foram úteis, ou deram certo, no passado é como usar uma blusa de criança, será no mínimo desconfortável, pode provocar falta de ar, machucar a pele, afinal você já não é mais o mesmo.

Não se pode proteger adequadamente do frio só com aquele pedacinho de lã, da mesma forma é preciso compreender quais mudanças ocorreram e estão ocorrendo agora em sua vida e buscar ampliar recursos que se harmonizem com o momento que está vivendo.

Corpo recuperado

O aprimoramento de nosso modo de viver é importante para o desenvolvimento de defesas funcionais que substituam o encouraçamento rígido que nos limita.

Flexibilizar as couraças é fundamental também para a qualidade da relação da pessoa consigo mesma, elas preservam de alguns impulsos internos difíceis de lidar – por exemplo, quando uma pessoa se depara com um aspecto de sua personalidade até então desconhecido, despertado por uma situação peculiar ou sente como se houvesse outra pessoa dentro dela tomando atitudes que jamais pensaria tomar colocando-se em situações constrangedoras sem que entenda por quê.

Na maior parte das vezes esses impulsos internos não compreendidos, são considerados erros, comportamentos inadequados, atitudes autodestrutivas, mas na verdade foi o afastamento progressivo do Eu que criou toda a confusão entre o Eu que se quer e o Eu que se consegue ser. Pensamos a flexibilização das couraças e a retomada da corporalidade como o ato de tecer o fio de Ariadne. Mas há saída.

Tecendo o fio de Ariadne

Wilhelm Reich, durante as quatro décadas dedicadas à pesquisa em ciência natural sobre a vida e suas funções, afirmava que amor, conhecimento e trabalho devem nortear a vida dos seres humanos, e serão esses os princípios que nortearão a retomada da corporalidade e da relação consigo mesmas das pessoas.

Através do aprendizado sobre si mesmo esse Eu encontrará espaço para se manifestar. É preciso olhar para dentro de nós mesmos com atenção e cuidado, mas sem medo, pois com o apoio de nosso fio de Ariadne teremos a saída de nosso labirinto íntimo.

Paradoxalmente, a redescoberta de si pode ser assustadora e maravilhosa. É fundamental ir além do que nos foi dito sobre quem somos ou o que deveríamos ser; ir além de nossos pressupostos sobre amor, sexo, vida compartilhada, encontros amorosos e descobrir o que, realmente, pensamos e sentimos sobre isso tudo; o que precisamos ainda aprender e o que já podemos ensinar aos outros.

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Perfil do Autor

Analista reichiana. Consultora Associada da FLUIR Desenvolvimento Social e Humano.