sábado, 22 de agosto de 2009

Extraído do livro Goth Chic de Gavin Baddeley (2003)

Alguns têm cotado os obsessivos trabalhos solos de Nico, lançados logo depois que ela deixou o Velvet Underground, em particular The Mable Index (1969) e The End (1974), como os primeiros discos autenticamente góticos. É certo que o clima evocado pelos arranjos dispersos e pela harmonia fantasmagórica – que o escritor Dave Thompson descreve como as “bruxuleantes excentricidades da cantora colocadas sob a luz” – possui uma atmosfera gótica. As gravações de Nico eram, novamente de acordo com Thompson, “essencialmente um ritual catártico, melhor experimentadas com as persianas bem fechadas e as lâmpadas lançando sombras sinistras na parede”. Por volta de 1981, a enigmática cantora notou que havia muitas garotas que se vestiam como ela, usando saias pretas esvoaçantes e botas de hipismo pontudas. Essas primeiras meninas góticas receberam o apelido de “Nico-teens”. Então, não era de se admirar que o Bauhaus, os pioneiros do rock gótico, fizessem de tudo para realizar um cover do hino às drogas do Velvet “I’m Waiting for the Man”, gravada por Nico, já uma verdadeira lenda perdida, presa nas garras de um vício debilitante e prolongado em heroína, “Nico era gótica”, confirma o vocalista do Bauhaus, Peter Murphy, “mas ela era o gótico de Mary Shelley, enquanto todos os outros eram o gótico dos filmes da Hammer. Ambos faziam Frankeinstein, mas Nico era real”.

Segundo Nico, "The Marble Index tem a ver com a minha ida a Berlim em 1946, quando era bem pequena e vi toda a cidade destruída. Gosto do império decadente, a imagem do império decadente”. A palavra “decadência” insinua uma prazer degenerado, mas também uma imagem comum na arte decadente. O mesmo ocorreu a Nico, em ambas as avaliações. Suas lembranças sombrias da Berlim arruinada, antes a cidade mais pecaminosa do mundo, são destiladas em The Marble Index através dos vocais germânicos caracteristicos da cantora. Após o sutil folk-rock de seu disco de estréia solo, Chealse Girl, de 1968, The Marble Index marcou a descida de Nico ao território problemático que a própria artista escolheu para si. Autenticamente estranho e hipnótico, o som espectral dos vocais harmoniosos e friamente taciturnos brandia um sinistro feitiço negro que afastou muita gente, mas a estabeleceu como uma artista cult. As apresentações ao vivo de Nico também eram imprevisíveis e melancólicas. Ela rejeitou uma apresentação enigmática que a denominava como um “membro da Sociedade Secreta” em um show em 1979, em Nova York, preferindo ser apresentada como “um possível Fantasma da Ópera”. De acordo com um fã que estava na platéia, ela chegou a desprezar a própria música, qualificando-a em sua fala germânica arrastada, como “um rréquiem, uma música funerral”.Mas um número suficiente de pessoas foi atraído por uma atmosfera fria e sustentou a existência precária e a carreira fonográfica errática de Nico. O clímax de seu primeiro ciclo e réquiens oriundos diretamente do lado negro veio em 1974, com o apropriadamente nomeado The End. A faixa título era um assombroso cover da saga surreal de patricídio e incesto dos Doors, gravada como tributo a Jim Morrison, o poeta e vocalista da banda, que morrera três anos antes. Morrison foi uma das várias lendas do rock quem Nico esteve romanticamente ligada, descrevendo-o como sua “alma gêmea’. Ambos compartilharam uma relação doentiamente confortável com a morte. “A vida era um tédio para Nico”, disse Alan Wise, que empresariou Nico na década de 1980, “ela costumava dizer que estava a apenas dois minutos da morte”. Em 1967, de acordo com o produtor do Doors, Paul Rothchild, Morrison “levou Nico para o alto de uma torre, ambos nus, e Jim fora de si de chapado, subiu no parapeito e caminhou por ele, a uma altura de centenas de metro. E lá estava aquela estrela do rock, no auge da carreira, arriscando a vida para provar a uma garota que a existência não valia nada”.

Um comentário:



  1. Nossa, fiquei borrado ao ler seu texto!

    Em primeiro lugar parabéns!!! É um texto envolvente e que me fez querer saber/ouvir mais Nico! Você está escrevendo cada vez melhor!

    É muito importante recuperar a figura da Nico no cenário musical, pois eu mesmo nunca havia imaginado a importância que ela teve para concepção "dark" do universo musical contemporâneo.

    Se ela tivesse vivido no Séc. XVII seria certamente uma figura tão marginalizada que sua expressão se daria em uma obra única e de velocidade cortante! Isso até sua tortura e morte por não admitir a luz em sua vida!

    Um beijonnnn

    André

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