sexta-feira, 23 de março de 2012
quarta-feira, 21 de março de 2012
a transformação dos consumidores em mercadorias
Numa enorme distorção e perversão da verdadeira substância da revolução consumista, a sociedade de consumidores é com muita freqüência representada como se estivesse centralizada em torno das relações entre o consumidor, firmemente estabelecido na condição de sujeito cartesiano, e a mercadoria, designada para o papel de objeto cartesiano, ainda que nessas representações o centro de gravidade do encontro sujeito-objeto seja transferido, de forma decisiva, da área da contemplação para a esfera da atividade. Quando se trata de atividade, o sujeito cartesiano pensante (que percebe, examina, compara, calcula, atribui relevância e torna inteligível) se depara – tal como ocorreu durante a contemplação – com uma multiplicidade de objetos espaciais (de percepção, exame, comparação, cálculo, atribuição de relevância, compreensão), mas agora também com a tarefa de lidar com eles: movimentá-los, apropriar-se deles, usá-los, descartá-los.
O grau de soberania em geral atribuído ao sujeito para narrar a atividade de consumo é questionado e posto em dúvida de modo incessante. Como Don Slater assinalou com precisão, o retrato dos consumidores pintado nas descrições eruditas da vida de consumo varia entre os extremos de “patetas e idiotas culturais” e “heróis da modernidade”. No primeiro pólo, os consumidores são representados como o oposto de agentes soberanos: ludibriados por promessas fraudulentas, atraídos, seduzidos, impelidos e manobrados de outras maneiras por pressões flagrantes ou sub-reptícias, embora invariavelmente poderosas. No outro extremo, o suposto retrato do consumidor encapsula todas as virtudes pelas quais a modernidade deseja ser louvada – como a racionalidade, a forte autonomia, a capacidade de autodefi nição e de auto-afi rmação violenta. Tais retratos representam um portador de “determinação e inteligência heróicas que podem transformar a natureza e a sociedade e submetê-las à autoridade dos desejos dos indivíduos, escolhidos livremente no plano privado”.
A questão, porém, é que em ambas as versões – quer sejam apresentados como patetas da publicidade ou heróicos praticantes do impulso autopropulsor para a autoridade – os consumidores são removidos e colocados fora do universo de seus potenciais objetos de consumo. Na maioria das descrições, o mundo formado e sustentado pela sociedade de consumidores fi ca claramente dividido entre as coisas a serem escolhidas e os que as escolhem; as mercadorias e seus consumidores: as coisas a serem consumidas e os seres humanos que as consomem. Contudo, a sociedade de consumidores é o que é precisamente por não ser nada desse tipo. O que a separa de outras espécies de sociedade é exatamente o embaçamento e, em última instância, a eliminação das divisões citadas acima.
Na sociedade de consumidores, ninguém pode se tornar sujeito sem primeiro virar mercadoria, e ninguém pode manter segura sua subjetividade sem reanimar, ressuscitar e recarregar de maneira perpétua as capacidades esperadas e exigidas de uma mercadoria vendável. A “subjetividade” do “sujeito”, e amaior parte daquilo que essa subjetividade possibilita ao sujeito
atingir, concentra-se num esforço sem fi m para ela própria se tornar, e permanecer, uma mercadoria vendável. A característica mais proeminente da sociedade de consumidores – ainda que cuidadosamente disfarçada e encoberta – é a transformação dos consumidores em mercadorias; ou antes, sua dissolução no mar de mercadorias em que, para citar aquela que talvez seja a mais citada entre as muitas sugestões citáveis de Georg Simmel, os diferentes significados das coisas, “e portanto as próprias coisas, são vivenciados como imateriais”, aparecendo “num tom uniformemente monótono e cinzento” – enquanto tudo “flutua com igual gravidade específica na corrente constante do dinheiro”. A tarefa dos consumidores, e o principal motivo que os estimula a se engajar numa incessante atividade de consumo, é sair dessa invisibilidade e imaterialidade cinza e monótona, destacandose da massa de objetos indistinguíveis “que flutuam com igual gravidade específica” e assim captar o olhar dos consumidores (blasé!)...
(trecho do livro: A Vida Para o Consumo - A Transformação das Pessoas em Mercadorias de Zymunt Bauman)
sábado, 17 de março de 2012
existo todavia ...
Vivem em nós inúmeros;
Se penso ou sinto, ignoro
Quem é que pensa ou sente.
Sou somente o lugar
Onde se sente ou pensa.
Tenho mais almas que uma.
Há mais eus do que eu mesmo.
Existo todavia
Indiferente a todos.
Faço-os calar: eu falo.
Os impulsos cruzados
Do que sinto ou não sinto
Disputam em quem sou.
Ignoro-os. Nada ditam
A quem me sei: eu 'screvo.
Se penso ou sinto, ignoro
Quem é que pensa ou sente.
Sou somente o lugar
Onde se sente ou pensa.
Tenho mais almas que uma.
Há mais eus do que eu mesmo.
Existo todavia
Indiferente a todos.
Faço-os calar: eu falo.
Os impulsos cruzados
Do que sinto ou não sinto
Disputam em quem sou.
Ignoro-os. Nada ditam
A quem me sei: eu 'screvo.
quinta-feira, 15 de março de 2012
quarta-feira, 14 de março de 2012
quarta-feira, 7 de março de 2012
My Mind's Eye
Sinto-me separado da vida, quando os estados contemplativos me dizem que além das minhas retinas há um lugar acolhedor onde o silêncio supera os ruídos destes átomos fundidos; esta massa sensorial que se chama existência. As moléculas não são a verdade em si, e sim a vontade ou representação do não-desejo, do próprio espírito em plenitude, em seu estado primitivo e natural. Meus olhos; as janelas de um precipício, faróis que articulam as ilusões, esferas embebidas em lágrimas e tendões do tempo.
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