Há algum tempo atrás (entre 1990 e 1993) a Galeria do Rock abrigava uma loja chamada Rock N’ Roll, cujo acervo era, na sua maior parte, dedicado a vinis bootegs, ou seja, aqueles bolachões de edições limitadíssimas não autorizadas (muitas vezes proveniente da Itália, Rússia e Japão) que continham materiais raros e nunca lançados pelas bandas. Aliás, a Galeria do Rock atual quase não há mais lojas que investem no velho e bom vinil. Aos órfãos restou praticamente a Baratos Afins (um dos últimos redutos “vinilisticos” por lá) e a Galeria Nova Barão, que fica ali pertinho...Bem, no começo dos anos de 1990 a pirataria não tinha esta conotação vulgar de hoje – não era essa coisa prática (prática no sentido de ser pouco seletiva, sem muito encanto) e pobre reproduzida em mídia ou em mp3; era feita com acabamento caprichado (arte gráfica elaborada, prensagem profissional) e carregava, por isto, uma áurea de elegância e excentricidade, o que satisfazia os fãs que não se contentavam com o material oficial soltado pelas gravadoras. O cara que acompanha a banda e quer incrementar sua coleção, sabe as “cerejas do bolo” não estão nos registros convencionais. Contudo, com o advento da internet, perdeu-se a preocupação e o interesse pelo suporte físico destes arquivos.
Na Rock N’ Roll também era possível encontrar as réplicas dos bootlegs originais, com suas capas mal xerocadas (no “melhor” ou “pior” estilo do it yourself) - muitas vezes estes exemplares eram apenas envolvidos numa espécie de envelope branco contendo apenas o set escrito com máquina de escrever. A apresentação poderia ser tosca, mas seu conteúdo tinha valor incalculável e acredito que boa parte daquilo dificilmente chegará algum dia a ser ripado em mp3 (e postado em algum blog) ou mesmo reeditado por algum selo fundo de quintal. Quem era aficcionado em Sisters of Mercy (uma das bandas mais pirateadas de todos os tempos) ficava em choque com quantidade de LP’s com gravações de shows, sobra de estúdios, transmissões de rádio e demos com as mais variadas qualidades sonoras – tinham desde coisas podres captadas por um gravador de mão pela audiência até coisas “cristalinas” registradas em DAT pela galera da mesa de som. Aqueles que queriam arrebatar estes discos tinham que desembolsar uma bela grana, porém o dono disponibilizava um serviço de gravações de fita K7 para quem não tinha como bancar e quisesse saborear um pouco daquele universo clandestino. As reproduções destas fitas nem sempre agradavam muito, pois o som na maioria das vezes ficava extremamente abafado, no entanto isso acabava sendo um mero detalhe para os que queriam ter em mãos aquelas exclusividades. Também era possível encomendar cópias em vídeos (VHS) de shows raros, filmados da platéia, por alguém que não tinha a mínima habilidade com a câmera. A prateleira do The Cult era um sonho, no entanto tinha uma peça ali que me chamava muito a atenção – o vinil Ghost Dancers (com a capa xerocada); um show gravado em 13 de setembro 1983 no teatro Playhouse (Whitley Bay), quando a banda tocava como Death Cult. Como comprar aquele disco não estava a meu alcance, acabei encomendando uma cópia em fita, que quase arrebentou de tanto tocar. Eu cheguei a pensar em ripar a fitinha para cd-r, por uma questão de preservação mesmo, já que depois com a notícia do óbito da Rock N’ Rock, eram remotas as chances de rever aquele disco novamente e, assim, solicitar uma nova cópia. Embora nostálgica, a Era analógica foi pouco prática e por isso tinha lá os seus inconvenientes e isso fica bem claro nestes relatos de um tempo em que ipode quebraria o maior galho...Passado alguns anos virei um adicto de vinis e em uma daquelas garimpadas que eu fazia pela madrugada adentro encontrei um colecionador inglês que tinha o bendito a venda em seu site pessoal. E não era um simples colecionador e sim um cara que tinha trabalhado como roadie nos primórdios do Cult. Logicamente não hesitei em comprar, pois sabia que a chance era única. Depois de uns dias esperando ansiosamente, lá estava eu com o cobiçado Ghost Dancers em mãos. Seu estado de conservação me chamou muito atenção; sua capa original estava praticamente zerada (não era como aquela cópia da cópia como exposta na loja). Algo incrível já que se tratava de uma relíquia de tiragem limitada de 500 cópias em vinil azul, editada em 1985 por um selo japonês chamado Garageland. Valeu cada libra investida e a minha persistência, afinal só quem é colecionador sabe a emoção de manipular um destes “brinquedos”.
Seu track list (logo a baixo) é bem típico daquela fase, mas com algumas coisas singulares - a música “Ressurection Song” foi creditada aqui apenas como “Resurrection”. Esta faixa nunca ganhou uma versão de estúdio, o que agrega um valor discográfico a este vinil. Diferente que muitos devem pensar, “Ressurection” não é nem de longe um esboço da dançante “Resurrection Joe” (1984). “Wild Thing” (cover do The Troogs costumeiramente fechava as apresentações daquela época) tem aqui umas de suas versões pesadas e tribais graças as baquetadas impiedosas e inconfundíveis de Ray Mondo que logo após este show se despedia do Death Cult. A qualidade sonora deste boot não é uma das melhores, mas por estas histórias e particularidades o torna bastante especial para mim e, acredito também, para os fãs old school a quem eu dedico este post.
Espero que gostem e bom download!
Death Cult line up:
Ian Astbury - vocal
Billy Duffy - guitar
Jamie Stewart - bass
Ray Mondo – drums
PEQUENA BIOGRAFIAEm maio de 1983, um mês após o fim do Southern Death Cult, o vocalista Ian Astbury se junta ao guitarrista Billy Duffy (William Howard Duffy, nascido em Manchester, recém saído do Theatre of Hate) para formar o Death Cult. A idéia inicial de Ian era dar continuidade a sua banda original, e como o guitarrista buscava mais liberdade musical e para compor, essa junção resultou naqueles históricos "casamentos musicais" que deram mais do que certo (a exemplo do que ocorreu com Robert Plant/Jimmy Page, Mick Jagger/Keith Richards, John Lennon/Paul McCartney, Morrissey/Johnny Marr e tantos outros). A banda foi considerada logo de início como um "super grupo" pós-punk já que se tratava na realidade da junção de três bandas que tinham feito alguma fama dentro daquela cena. Para completar a “cozinha”, foram chamados dois ex-integrantes da banda punk-gótica Ritual; o baterista Raymond Taylor Smith (natural de Serra Leoa, apelidado de Ray Mondo) e o guitarrista Jaime Stewart (nascido em Harrow, norte da Inglaterra) convocado para o baixo.
O entrosamento foi certeiro e após alguns ensaios e gravações demos, a banda lança em julho daquele ano um EP com quatro músicas pelo selo Situation Two. O disco teve boa repercussão e as comparações com o Southern Death Cult foram inevitáveis, mas era possível notar que além da cadencia tribal e das características fortes do "positive punk", as canções traziam uma veia mais rock n roll sixties graças as guitarras sujas e psicodélicas de Billy Duffy que começavam a se destacar. Também não se pode ignorar o amadurecimento da voz de Ian que ao se dar conta das limitações dos músicos do SDC, viu a necessidade de buscar músicos criassem e dessem maior suporte para canções mais elaboradas que viriam a partir daí.
Nas entrevistas o Death Cult também fazia questão de deixar clara suas influências que vinham de artistas que bebiam do blues como Jimi Hendrix, Doors, Led Zeppelin - e que a partir disso queriam dar uma cara mais orgânica ao cenário alternativo inglês que na ocasião parecia estar tão fake, devido a extrema valorização do visual e pelo uso massivo de sintetizadores. O baixista Jamie Stewart lembra que outra fixação daquela época era com tudo que fosse relacionado a guerra do Vietnã: "coisas como o filme Apocalypse Now e 'The End' dos Doors fazia a cabeça de todas as bandas de Brixton na época e Ian tentava falar sobre essa situação absurda na qual jovens eram jogados em uma guerra completamente sem sentido." Esta ai porque da temática fotográfica do EP de estréia.
A banda logo inicia uma extensa turnê em algumas cidades européias. O público de Oslo (Noruega - 25/07/1983) foi privilegiado em assistir a sua primeira apresentação. Já de volta a Inglaterra, eles participam de um famoso evento do pós-punk inglês Futurama Festival.
Em setembro o baterista Ray se despedia da banda para tocar no Sex Gang Children (meses depois, por estar ilegalmente na Inglaterra, ele fora deportado para Serra Leoa), ocupando o lugar deixado pelo saudoso Nigel Preston que logo foi convidado para tocar no Death Cult. Preston já era um velho conhecido de Billy Duffy, uma vez que havia tocado com ele no Theatre of Hate.
Com o novo baterista, a banda lança em outubro de 1983 o single "God Zoo", música que trás um som mais lapidado e dançante, o que demonstrava que eles estavam dispostos a deixar de vez as conotações góticas para traz e todos os rótulos incessantes que sofria da imprensa britânica. Depois desta mudança sonora, Ian e Billy decidem tirar do nome da banda a sua parte mais negativa - a palavra "Death".
No dia 13 de janeiro de 1984, a banda fazia sua primeira aparição na TV como The Cult no programa The Tube. “Estamos mais para a vida do que para a morte”, disse Astbury antes dos primeiros acordes. Nessa altura eles começando a se popularizar nos quatro cantos da Inglaterra, devido ao sucesso do single "Spiritwalker" que apontava no primeiro lugar da parada independente. Este compacto procede a uma tour européia que acontecera meses antes do lançamento de seu primeiro álbum, Dreamtime.
Ghost Dancers - Recorded live Sept. 13, 1983 at Playhouse, Whitley Bay - LP Numbered, Blue
Track List
A1 Christians
A2 To Young
A3 The Waste Of Love
A4 Ghost Dance
A5 Butterflies
A6 Brothers Grimm
B1 Flower In The Desert
B2 Gods Zoo
B3 Resurrection
B4 Horse Nation
B5 Moya
B6 Wild Thing
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